quinta-feira, 3 de março de 2016

TRIBUNAL DO TRABALHO DE PERNAMBUCO DÁ UM GRANDE PASSO NA PROMOÇĀO DA JUSTIÇA SOCIAL PARA AS VÍTIMAS DO AMIANTO: manda anular os lesivos acordos extrajudiciais de indenizaçāo promovidos pela Saint-Gobain/Brasilit



(INCIDENTE DE UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA).

Processo nº 0000274-49.2015.5.06.0000 (IUJ)

Órgão Julgador: Tribunal Pleno

Redatora: Desembargadora Eneida Melo Correia de Araújo

Suscitante: Desembargadora Vice-Presidente Virgínia Malta Canavarro

Suscitados: Isidoro Joaquim da Silva e Saint-Gobain do Brasil Produtos Industriais

e para Construção Ltda.

Advogados: Rodrigo José da Costa Silva e Fernando Rudge Leite Neto

Terceiro Interessado: Associação Pernambucana dos Expostos ao Amianto - APEA

Procedência: Tribunal Regional do Trabalho da 6ª Região

EMENTA:

INCIDENTE DE UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA. TRANSAÇÃO EXTRAJUDICIAL. EFICÁCIA LIBERATÓRIA GERAL SOBRE DIREITO FUNDAMENTAL. INVALIDADE. A garantia conferida ao Trabalhador de que possa utilizar-se de um ambiente preservado, de qualidade, atende ao equilíbrio social e se acha de conformidade com os fundamentos consagrados pela República do Brasil. No campo das relações de trabalho, o Empregador tem o dever de proteção para com o Empregado, fundamentado em normas internacionais e na Constituição da República Federativa do Brasil. E, quando se tratam de direitos fundamentais, direitos humanos, portanto, como são os alusivos à integridade física, mental, moral e cultural do Empregado, o sistema jurídico nacional impõe ao Estado e aos empregadores a fiscalização rigorosa, buscando resguardar o Trabalhador de atitudes que possam prejudicá-lo. A matéria sob a vertente de uniformização versa sobre a declaração de vontade do empregado, contida em Termo de Transação Extrajudicial, que deve ser interpretada de acordo com o princípio da proteção, o qual orienta o Direito do Trabalho, e em conformidade com as normas agasalhadas no sistema jurídico brasileiro. Independentemente de o trabalhador comprovar ou não o vício de vontade ao assinar o termo de Transação, tem-se que não se pode conferir eficácia plena, geral e irrestrita a tal negócio jurídico, atraindo o peso da renúncia expressa e irrevogável a qualquer outro direito ou reivindicação direta ou indiretamente relacionado a qualquer dano, perda ou incapacidade física, estética ou moral, causada por exposição à poeira de amianto na unidade fabril da SAINT - GOBAIN BRASILIT. A interpretação que se impõe tem viés constitucional e é na Carta Constitucional Republicana que se deve orientar a compreensão de um negócio de natureza civil, celebrado fora do âmbito judicial, desprovido de qualquer acompanhamento jurídico ou de profissional de saúde. Não se pode aceitar a conclusão de que o recebimento de uma indenização, de forma extrajudicial, no passado, pelo trabalhador vitimado por doença profissional, opere os efeitos de ato jurídico perfeito, inibindo o seu acesso ao Poder Judiciário. É precisamente porque o bem atingido por ato do Empregador detém natureza de direito fundamental que aquele ajuste não pode ser reconhecido como renúncia expressa. O objeto do negócio jurídico detinha um valor incomensurável, impedindo que uma transação extrajudicial, sem qualquer assistência jurídica ou médica pudesse traduzir-se em renúncia de direito, entre os quais o de acesso à Justiça. Pontue-se a gravidade da situação, a qual envolve a exposição do empregado a poeira de amianto, substância letal utilizada, de forma consciente, pela Empresa. Independentemente de o trabalhador comprovar ou não o vício de vontade ao assinar o termo de Transação Extrajudicial, tem-se que não se pode conferir eficácia plena, geral e irrestrita a tal negócio jurídico.

Vistos, etc.

Peço vênia à Excelentíssima Desembargadora Relatora para adotar o relatório de seu voto apresentado na sessão de julgamento:

"Trata-se de Incidente de Uniformização de Jurisprudência suscitado, pela Vice - presidente do Regional  nos autos do Processo nº. RO 0000223-59.2011.5.06.0006, entre partes ISIDORO JOAQUIM DA SILVA (reclamante) e SAINT-GOBAIN DO BRASIL PRODUTOS INDUSTRIAIS E PARA CONSTRUÇÃO (reclamado), com fundamento no que dispõe os §§ 3º, 4º e 5º, do art. 896 da CLT (redação alterada pela Lei nº 13.015/2014).

Ao proceder à análise da admissibilidade do Recurso de Revista interposto pelo reclamante em razão do acórdão cuja redação coube a esta Magistrada, relatora do presente, a Excelentíssima Desembargadora Virgínia Malta Canavarro, Vice-Presidente do TRT da 6ª Região, constatando a existência de decisões conflitantes entre as Turmas deste Regional, determinou a formação em autos apartados do Incidente de Uniformização de Jurisprudência e o sobrestamento dos demais processos que estiverem aguardando julgamento neste Tribunal e que versarem sobre idêntica matéria, até o julgamento final do incidente.

O processo foi encaminhado à Secretaria do Tribunal Pleno para a formação de autos apartados e distribuição, objetivando o julgamento do Incidente de Uniformização de Jurisprudência, de acordo com o procedimento previsto nos artigos 476 a 479 do Código de Processo Civil e art. 104 do Regimento Interno deste Regional.

Determinada a remessa do feito à Procuradoria Regional do Trabalho, que, no parecer de id. d44744c, exarado pelo Exmo. Sr. Procurador Chefe, Dr. JOSÉ LAÍZIO PINTO JÚNIOR, opina no sentido de que seja uniformizada a jurisprudência deste e. Tribunal Regional do Trabalho da 6ª Região no sentido de declarar a "invalidade do instrumento de transação extrajudicial, quando o mesmo versar sobre direitos de cunho personalíssimo, extrapatrimonial e indisponível, restando insuscetível a sua transação".

A Associação Pernambucana dos Expostos ao Amianto - APEA, mediante petição atravessada de id. feae37, requereu sua intervenção no feito, na qualidade de assistente simples, o que foi deferido o pedido, na qualidade "amicus curiae", conforme despacho de id. 826b19d.   

 É o relatório."
FUNDAMENTAÇÃO:



Retomo à transcrição dos arrazoado pela Desembadora Relatora no que diz respeito à caracterização do dissenso jurisprudencial

"De início, conforme exposto supracitado, A Associação Pernambucana dos Expostos ao Amianto - APEA, mediante petição atravessada de id. feae37, requereu sua intervenção no feito, na qualidade de assistente simples, o que foi deferido o pedido, na qualidade "amicus curiae", conforme despacho de id. 826b19d.

Como visto, verificada  existência de decisões conflitantes no âmbito do Regional, o que motivou à Vice Presidente do Tribunal, suscitar o presente Incidente de Uniformização de Jurisprudência e cuja matéria a validade do instrumento de transação extrajudicial, mas que limitada ou direcionada a trabalhadores alcançados  pelos efeitos do labor executado com exposição ao amianto.

Portanto, a justificar o presente  Incidente de Uniformização de Jurisprudência, o fato de que a matéria aqui versada , tem recebido tratamento diferenciado das Turmas que compõem este Regional.

E a propósito, trago à colação ementas/excertos dos seguintes julgamentos sobre o tema:

PRIMEIRA TURMA:

PROCESSO Nº TRT- 0001186-98.2010.5.06.0007.

Órgão Julgador: PRIMEIRA TURMA.

Relatora : Des. Maria do Socorro Silva Emerenciano.

Julgado em 05.06.2013.

"EMENTA: RECURSO ORDINÁRIO PATRONAL. RECURSO ADESIVO OBREIRO. TRANSAÇÃO. VALIDADE. EFICÁCIA LIBERATÓRIA. Tenho que perfeitamente admissível a renúncia ou transação de direitos. E, sendo assim, perfeitamente possível ajustar-se condições aquém das previstas em Lei, o que em momento de dificuldades. E o fato não implica em alterações prejudiciais ao empregado; e é divorciado do parágrafo da imodificabilidade das condições ajustadas. Veja-se que o reclamante concordou de forma expressa com o contido no acordo em referência, aceitando as condições ali propostas. Não há qualquer indício de coação e/ou de que viciada a vontade do obreiro. O documento supramencionado revela que houve composição de interesses, com renúncias a direitos decorrentes de tal contrato. E por certo que é plenamente possível a renúncia de direitos decorrentes do contrato de trabalho, ainda que não sejam especificadas as verbas transacionadas. Assim porque, com relação a direitos indisponíveis, a transação efetuada relativamente a estes será ineficaz. Necessário que a parte tenha capacidade para renunciar e, desde que haja disponibilidade do direito, não vejo como negar validade ao acordo. Irrenunciáveis direito que decorrem de norma de ordem pública, estes sim não podem ser negociados pelas partes. A renúncia in casu foi manifestada expressamente e sem notícias de vício de vontade. Finalmente, acrescento que o autor é detentor de capacidade plena, estando em pleno gozo de seus direitos, sendo, pois, manifestamente válida a sua anuência aos termos daquela transação".

PROC. Nº TRT - RO - 0000424-24.2011.5.06.0015

Órgão Julgador: PRIMEIRA TURMA

Relator: Desembargador Ségio Torres Teixeira

Julgado em 19.01.2015.

"EMENTA: I - DIREITO DO TRABALHO E PROCESSUAL DO TRABALHO. RECURSO ORDINÁRIO PATRONAL. TRANSAÇÃO EXTRAJUDICIAL. VALIDADE. EFICÁCIA LIBERATÓRIA GERAL. IMPOSSIBILIDADE. A transação extrajudicial formalizada entre as partes não tem o condão de produzir os mesmos efeitos do acordo homologado judicialmente preconizado no art. 831 da CLT. Nos termos do art. 477 da CLT, não tem validade jurídica o acordo extrajudicial celebrado sem assistência do respectivo sindicato, eis que a legislação tutelar trabalhista só cuida da transação homologada em Juízo, com assistência sindical ou perante autoridade do Ministério do Trabalho. No caso sob exame, em que pese a transação celebrada pelas partes ser bastante ampla, dando, inclusive, quitação do contrato de trabalho, entendo que a transação extrajudicial não enseja ares de coisa julgada material, uma vez que, somente as sentenças definitivas proferidas pelos órgãos do Poder Judiciário, a quem é assegurado o monopólio da prestação jurisdicional, produzem tal eficácia."

SEGUNDA TURMA:

PROC. Nº TRT - 0000315-98.2011.5.06.0018 (RO)

Órgão Julgador: SEGUNDA TURMA

Relatora: Des. Dione Nunes Furtado da Silva

Julgado em 15.05.2014.

"Para validade desse acordo, há a necessidade de concessões recíprocas, e que não provoque prejuízos ao trabalhador, o que não ocorreu na presente hipótese, em que a ré, antevendo os problemas futuros com a saúde de seus empregados, em decorrência do labor com o amianto, firmou transações com eles, nas condições de seu interesse, buscando engessar o montante do dano e impedir o acesso dos trabalhadores à justiça do trabalho no momento em que tivessem noção da real gravidade da doença que lhes acometia, em total afronta ao artigo 5º, XXXV, da CF/88. 

(...)

A toda evidência, tais cláusulas são abusivas e ilegais, pois tentam obstar o acesso do reclamante à justiça para buscar a reparação do dano sofrido fora daquele patamar indenizatório que lhe foi proposto, quando este sequer tinha noção do comprometimento de sua saúde, do efeito devastador do amianto ao longo dos anos. São, portanto, nulas de pleno direito, nos termos do art. 9º da CLT".

TERCEIRA TURMA:

PROCESSO Nº TRT 0001471-75.2011.5.06.0001 (RO)

Órgão Julgador: TERCEIRA TURMA

Relator: Des. Ruy Salathiel de Albuquerque e Mello Ventura.

Julgado em 31.01.2014.

"EMENTA: RECURSO ORDINÁRIO DO RECLAMANTE. DANOS MORAIS. DOENÇA OCUPACIONAL DECORRENTE DA EXPOSIÇÃO À POEIRA DE AMIANTO. TRANSAÇÃO EXTRAJUDICIAL. RENÚNCIA À APRECIAÇÃO DA LESÃO A DIREITO PERSONALÍSSIMO PELO PODER JUDICIÁRIO. INVALIDADE.O instituto da transação, mais amplamente pactuado no âmbito civil, deve ser revestido de certo conteúdo protecionista, conferido pela própria lei, quando aplicado na esfera trabalhista. Isso porque o trabalhador, parte hipossuficiente da relação laboral, "transaciona" direitos decorrentes de sua própria força de trabalho, muitas vezes em completa condição de desigualdade. A decorrência desse fato é que o ajuste apenas deve ser reputado lícito ante a inexistência de maiores prejuízos ao trabalhador. Não há de ser considerada válida a cláusula que impõe ao obreiro renúncia a direito de cunho personalíssimo, extrapatrimonial, o qual possui a característica própria da indisponibilidade, como o direito à saúde e à integridade física, impedindo a apreciação pelo Poder Judiciário da reparação pelo agente que lhe causar dano, seja físico, estético ou moral".

QUARTA TURMA:

PROCESSO TRT nº 0000836-62.2010.5.06.0023 (RO)

Órgão Julgador: QUARTA TURMA

Relator: Juiz Hélio Luiz Fernandes Galvão

Julgado em 13.03.2015.

"EMENTA: RECURSO ORDINÁRIO. TRANSAÇÃO EXTRAJUDICIAL. VALIDADE. EFICÁCIA LIBERATÓRIA. A transação extrajudicial firmada pelas partes é plenamente válida, vez que não constatado qualquer vício de consentimento do trabalhador quando da aceitação dos termos do acordo, nem outro vício capaz de ensejar a anulação do referido ato."

PROC. Nº TRT - 0001098-54.2010.5.06.0009

Órgão Julgador: QUARTA TURMA

Redator designado: Des. André Genn de Assunção Barros

Julgado em 03.10.2013.

"EMENTA: RECURSO ORDINÁRIO. EXPOSIÇÃO AO AMIANTO. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. TRANSAÇÃO EXTRAJUDICIAL. INVALIDADE.A transação é ato jurídico bilateral, por meio do qual as partes acertam direitos e obrigações, mediante concessões recíprocas, diante de questões fáticas e jurídicas duvidosas, sendo admitido, via de regra, quando estão presentes direitos de ordem privada. Nessa ótica, a preservação da saúde e da integridade do obreiro configura direito indisponível e não está suscetível à transação, notadamente quando o obreiro não tem mecanismos de avaliar, no momento do acerto, a extensão e a gravidade da enfermidade que o acomete".

Como se constata dos julgamentos proferidos pelas Turmas deste Regional, há decisões atuais e conflitantes sobre o mesmo tema, objeto do Incidente de Uniformização de Jurisprudência, razão pela qual deve ser procedida à uniformização da jurisprudência interna deste Egrégio Sexto Regional, nos termos do disposto nos §§ 3º, 4º e 5º, do art. 896 da CLT (alterada pela Lai nº 13.015/2014)."



Fundamentos do voto vencedor:



A matéria discutida neste Incidente de Uniformização de Jurisprudência versa sobre a validade do instrumento de transação extrajudicial, limitada ou direcionada a trabalhadores alcançados pelos efeitos do labor executado com exposição ao amianto nas dependências da Empresa. E, ainda: alia-se à possibilidade de conferir efeitos de ato jurídico perfeito, inibindo a possibilidade de ingresso do trabalhador e até mesmo de seus sucessores, perante o Poder Judiciário, cobrindo-se tal negócio jurídico de eficácia liberatória.

Desde logo, convém destacar que esta questão tem sido objeto de julgamentos divergentes pelas Turmas desta Corte Regional. Tal sucede porque envolve direitos humanos e direitos fundamentais, versando, especificamente, sobre a dignidade, integridade física e mental do Trabalhador e ao meio ambiente íntegro de trabalho.

O meio ambiente é o local onde os seres nascem, crescem, vivem, reproduzem, morrem. Onde os humanos constroem a sua história, criando laços de afeto, de amor e de solidariedade. Nele contemplam a natureza e sobre ela atuam. É onde trabalham, auferindo do dispêndio de suas energias possibilidade de sobrevivência para si e seus familiares. Fatores que abrigam e regem a vida em suas várias formas são indispensáveis para que continuem vivos, tenham segurança, sejam felizes.

Por sua vez, a garantia conferida ao Trabalhador de que possa utilizar-se de um ambiente preservado, de qualidade, favorece o equilíbrio social e está de conformidade com os fundamentos consagrados na Constituição da República do Brasil.

Na atualidade, as Nações revelam uma ordem jurídica razoavelmente tutelar quanto ao direito ao meio ambiente saudável, albergando em seu ordenamento jurídico, tratados e outras normas internacionais de direitos humanos.

Impõe-se, todavia, estar atento à efetivação do direito fundamental a um meio ambiente íntegro. Há premência em reduzir os fatores de degradação; urgência em ampliar a política educacional, na tentativa de minimizar os índices de aviltamento das condições vida, de trabalho, de segurança e de bem-estar.

A segurança e o bem-estar foram assimilados como princípios nos sistemas jurídicos contemporâneos que divisam a dignidade da pessoa humana como núcleo de afirmação dos demais direitos fundamentais.

Ainda que a preocupação com o meio ambiente não seja um dado novo, a ideia de que ele se traduz em direito fundamental e direito humano é recente. Nasce e se desenvolve no interior do Estado do Bem-Estar Social.

No bojo da consolidação do Direito Internacional dos Direitos Humanos - que tem seu marco histórico nos meados do século XX - a temática dos direitos humanos e sua efetivação revela-se como preocupação de toda a sociedade internacional.

Acompanhando a construção dos direitos sociais, econômicos, culturais, bem como aqueles alusivos à paz, à solidariedade, à segurança, também se revela como bem jurídico essencial à vida dos povos , o alusivo ao meio ambiente saudável.

Por sua vez, a Constituição da República do Brasil conferiu tratamento especial aos direitos da cidadania, ao valor social do trabalho, à solidariedade, ao combate à pobreza e à marginalização, ao cuidado com o meio ambiente, sempre visando a promover o bem de todos.

O progresso econômico e o exercício da cidadania são fatores que devem estar sempre associados. E o meio ambiente desprovido de degradação eleva o padrão da cidadania e do crescimento econômico, permitindo o desenvolvimento sustentável e o aprimoramento dos laços sociais.

A reafirmação constante do extraordinário valor do meio ambiente integral revela-se imprescindível em face do Estado pós-social e do mundo globalizado. O desafio - no sentido de proteger o homem e a natureza - prossegue na medida em que a difusão da tecnologia moderna está acompanhada de outras velhas e novas inquietações.

Assim é que inúmeras Convenções e Recomendações Internacionais pugnam por uma política que assegure os direitos do Trabalhador em seus múltiplos aspectos. Entre esses objetivos a garantia à integridade do homem desponta como essencial, considerando o ideário de conferir a todos os Trabalhadores o direito ao trabalho decente.

São explicados, portanto, os motivos impulsionadores à elaboração pela OIT de normas de proteção ao trabalho, de segurança e medicina do trabalho, de seguridade social, de migração, de meio ambiente.

Desta forma, por exemplo, as normas oriundas da Convenção n. 42 da Organização Internacional do Trabalho, aprovadas pelo Brasil e com vigência nacional desde 1937, compara os danos advindos dos agentes nocivos, inclusive os decorrentes de intoxicações produzidas por substâncias as mais diversas, aos que decorrem de acidente de trabalho. Ao lado dessa norma internacional, outras Convenções, como as de nºs. 115, 119, 127, 139, 148, 155, 161 e 162, todas ratificadas pelo nosso País, tratam de medidas de prevenção e de indenização quanto aos serviços nocivos à saúde do trabalhador.

Todas essas normas foram ratificadas pelo Brasil e estão em vigor na ordem jurídica brasileira. São dotadas de uma forte carga ética e humanitária, servindo como indicador de uma concepção evolutiva de proteção ao meio ambiente, na busca da realização plena da cidadania e de respeito aos direitos humanos.

Paulo Affonso Leme Machado lembra que a 1ª Conferência Europeia sobre Meio Ambiente e Saúde, realizada em Frankfurt, no ano de 1989, sugeriu à Comunidade Econômica Europeia uma Carta Europeia do Meio Ambiente e Saúde. No artigo 1º consta que todas as pessoas têm direito de beneficiar-se de um meio ambiente que lhe propicie o mais elevado nível de saúde e bem-estar possíveis. Também assevera que cada indivíduo tem o direito à informação e de ser consultado sobre os planos, decisões e atividades suscetíveis de afetar o meio ambiente e a saúde. E assegura ao cidadão participar do processo de tomada de decisões. (MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. 6ª ed. rev., atual., ampl. São Paulo: Malheiros, 1996, p. 701.).

E, hoje, em Paris, celebra-se um Acordo Mundial de proteção ao clima, ao mundo, aos seres vivos, em homenagem ao meio ambiente sustentável. O Brasil, outra vez, assina pacto dessa natureza.

Por isto, é oportuno realçar que o direito ao meio ambiente sadio é mais um elemento que permite ao ser humano alcançar uma vida digna, também favorecendo a efetivação da cidadania, fundamento da República do Brasil.

O direito ao meio ambiente saudável é direito fundamental de terceira geração. Está ao lado dos direitos alusivos à solidariedade, à fraternidade, à paz no mundo, ao desenvolvimento econômico dos países, ao patrimônio comum da humanidade. Sendo assim, configura-se em direito do homem. E a Carta Republicana também o absorve com direito fundamental.

Esse conjunto de direitos é reputado indispensável à sobrevivência das pessoas, ao desenvolvimento de sua personalidade física, moral, social e intelectual, independentemente de raça, religião, sexo, idade, situação familiar, crença.

É sempre importante realçar que a Constituição do Brasil revela forte carga ética, indicando que o Estado absorveu os padrões internacionais de justiça, compreendendo que para efetivar o princípio da dignidade humana, deveria preservar o meio ambiente. O combate à pobreza e à marginalização, a redução das desigualdades sociais e regionais não se realizam sem tratamento especial ao meio ambiente.

O respeito ao trabalho humano, o predomínio da propriedade privada com sua inseparável função social, ao lado da proteção ao meio ambiente, atende ao primado de assegurar a todos os homens existência digna, conforme os ditames da justiça social.

Pode-se, assim, afirmar que o meio ambiente diz respeito a um contexto em que se relacionam a atividade econômica, o trabalho humano e a ecologia. Esses pressupostos são considerados nos arts. 170 e 225 da Constituição da República, precisamente em respeito aos objetivos delineados pelo Direito Internacional.

Tendo em vista que o art. 3º da Constituição Federal dispõe que se constituem em objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil construir uma sociedade livre, justa e solidária; garantir o desenvolvimento nacional; erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; promover o bem de todos, tais objetivos não poderiam ser alcançados sem a existência de um meio ambiente sadio.

Acrescente-se que no art. 7º da Carta Republicana foram indicados quais os direitos trabalhistas fundamentais. Entre eles está o da redução dos riscos inerentes ao trabalho por meio de normas de saúde, higiene e segurança e o adicional de remuneração para as atividades penosas, insalubres ou perigosas, além de seguro contra acidente do trabalho, a cargo do Empregador, sem excluir a indenização a que este está obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa. A concretização destes direitos esteia-se, também, no meio ambiente sadio para o desenvolvimento das relações de trabalho.

E prosseguindo, a Carta Magna dedica todo um capítulo ao meio ambiente, asseverando no art. 225 que "todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações".

O art. 225 da Carta Magna consagra o princípio inserido nos documentos internacionais alusivos a um desenvolvimento sustentável. Ele atende às necessidades das gerações atuais, sem que comprometa a capacidade, a segurança e o bem estar das gerações futuras ao pretenderem atender as suas próprias necessidades. Esse mecanismo deve considerar os recursos naturais que o nosso planeta dispõe lhes conferindo proteção integral.

Finalmente, registrem-se as normas contidas na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Extenso capítulo é dedicado à segurança, higiene e medicina do trabalho. E a Portaria n. 3.214/78 também possui inúmeras disposições que dizem respeito à saúde e à segurança do Trabalhador.

Importa destacar que o mero pagamento pelas Empresas dos referidos adicionais aos seus Empregados não as isentam de investir em medidas direcionadas a extinguir as condições inseguras ou maléficas que afetam os trabalhadores. Trata-se de mais um mecanismo de defesa, procurando, com o maior ônus decorrente do pagamento, o investimento em medidas de segurança a fim de alcançar um meio ambiente saudável.

A garantia conferida ao Trabalhador de que possa utilizar-se de um ambiente preservado, de qualidade, colabora para o equilíbrio social e se acha de conformidade com os fundamentos consagrados pela República do Brasil.

Logo, no campo das relações de trabalho, o Empregador tem o dever de proteção para com o Empregado. Esse dever acha-se fundamentado em normas internacionais e na Constituição da República Federativa do Brasil.

E, quando se tratam de direitos fundamentais, direitos humanos, portanto, como são os alusivos à integridade física, mental, moral e cultural do Empregado, o sistema jurídico nacional impõe ao Estado e aos empregadores a fiscalização rigorosa, buscando resguardar o Trabalhador de atitudes que possam prejudicá-lo.

Registre-se que a matéria sob a vertente de uniformização versa sobre a declaração de vontade do empregado, contida no Termo de Transação, mas que deve ser interpretada de acordo com o princípio da proteção, o qual orienta o Direito do Trabalho, e em conformidade com as normas agasalhadas no sistema jurídico brasileiro.

Independentemente de o trabalhador comprovar ou não o vício de vontade ao assinar o termo de Transação, entendo que não se pode conferir eficácia plena, geral e irrestrita a tal negócio jurídico, mas apenas e tão somente, ao valor efetivamente por ele recebido.

Observe-se que no Termo de Transação não existem subsídios capazes de informar ao empregado, de fato, sobre os reflexos negativos da exposição do asbesto no curso do contrato mantido com a Empresa. Tanto é assim que o instrumento de transação refere ao pagamento de indenização em decorrência das alterações pleuro-pulmonares presentes no trabalhador.

E o Obreiro não detinha no momento da celebração do ajuste, condições de avaliar a extensão ou gravidade da enfermidade que o acometera e que tendia a se desenvolver, progressivamente. Melhor esclarecendo: o trabalhador não tinha condições para avaliar, inequivocamente, o peso da renúncia expressa e irrevogável a qualquer outro direito ou reivindicação direta ou indiretamente relacionado a qualquer dano, perda ou incapacidade física, estética ou moral, causada por exposição à poeira de amianto na unidade fabril da SAINT - GOBAIN BRASILIT.

É fato agravante, ainda, em desfavor da Empresa, ao se constatar a ausência de assistência jurídica, quer por meio de advogado, procurador do trabalho ou mesmo de profissional da área de saúde pública no momento da transação extrajudicial. Não existe acompanhamento do Estado, no sentido de prestar informações idôneas e imparciais ao Empregado sobre a gravidade da doença ocupacional (asbestose) em situação crucial de sua vida.

Sabe-se que em alguns termos de transação acha-se estampada uma extensão absurda da renúncia, ao fazerem constar a vedação a terceiros, familiares do trabalhador, herdeiros ou conjugue de qualquer direito de invocarem indenização por danos decorrentes da exposição a amianto que os acometessem.

Além disso, em inúmeros casos, restou demonstrado que o Trabalhador necessitou permanecer afastado de suas atividades profissionais, deslocando-se a ambulatórios e clínicas, submetendo-se a vários exames médicos. Alguns, inclusive, chegando à óbito. Tal circunstância - aliás - sequer necessita de prova, haja vista que a grave doença relacionada ao amianto, decorrente do trabalho junto à Empresa, impunha acompanhamento médico.

Diante de tal quadro, configura-se uma lesão continuativa, como de igual natureza - continuativa - foi o ato ilícito praticado pela Empregadora, a qual, no curso dos anos, expôs seu empregado ao trabalho em condições nocivas a sua saúde, dando causa ao surgimento da asbestose.

Não se desconhece que a lesão de direito, a violação ao dever do empregador em face do empregado assegura o direito de indenização correspondente. Tanto é assim que as vítimas ou seus descendentes procuram o Poder Judiciário para obter indenização reparatória pelo fato de os empregados da empresa sofrerem lesões decorrentes da exposição à agente lesivo, como é o caso do amianto.

A reparação financeira, portanto, decorre da lesão verificada ao bem da vida fundamental. Todavia, essa reparação tem que revelar-se adequada, suficiente, ajustada de forma leal, criteriosa, igualitária, sobretudo se o bem ferido diz respeito á saúde e a integridade física e mental do trabalhador.

A interpretação que se impõe tem viés constitucional e é na Carta Constitucional Republicana que se deve orientar a compreensão de um negócio de natureza civil, celebrado fora do âmbito judicial, desprovido de qualquer acompanhamento jurídico ou de profissional de saúde.

Não se pode aceitar a conclusão de que o recebimento de uma indenização, de forma extrajudicial, no passado, pelo trabalhador vitimado por doença profissional, opere os efeitos de ato jurídico perfeito, inibindo o seu acesso ao Poder Judiciário.

É precisamente porque o bem atingido por ato do Empregador detém natureza de direito fundamental que aquele ajuste não pode ser reconhecido como renúncia expressa. O objeto do negócio jurídico detinha um valor incomensurável, impedindo que uma transação extrajudicial, sem qualquer assistência jurídica ou médica pudesse traduzir-se em renúncia de direito, entre os quais o de acesso à Justiça.

Pontue-se a gravidade da situação, a qual envolve a exposição do empregado a poeira de amianto, substância letal utilizada, de forma consciente, pela Empresa, que teria violado a saúde do trabalhador, de forma progressiva e irreversível.

Nesse prisma, a saúde e a integridade do trabalhador configuram direitos indisponíveis e não suscetíveis à transação, especialmente porque o empregado não detinha mecanismo de avaliar, no momento do acerto, a extensão e a gravidade da enfermidade em apreço.

Finalmente, independentemente de o trabalhador comprovar ou não o vício de vontade ao assinar o termo de Transação, não se pode conferir eficácia plena, geral e irrestrita a tal negócio jurídico, eis que não tinha o ex-obreiro como avaliar, naquele momento, a extensão ou gravidade da enfermidade que o acometera e que tendia a se desenvolver, progressivamente. Melhor esclarecendo: o trabalhador não detinha condições ou subsídios para avaliar, inequivocamente, o peso da renúncia expressa e irrevogável a qualquer outro direito ou reivindicação direta ou indiretamente relacionado a qualquer dano, perda ou incapacidade física, estética ou moral, causada por exposição à poeira de amianto na unidade fabril da SAINT - GOBAIN BRASILIT.

DA CONCLUSÃO.

Ante o exposto, voto pela prevalência da tese jurídica de que é inválida a transação extrajudicial, com vistas a prevenir litígios com ex-empregado que trabalhou exposto ao amianto/asbesto, que contenha cláusula de renúncia expressa e irrevogável a qualquer outro direito, não se configurando ato jurídico perfeito, por envolver direito fundamental dirigido à integridade do trabalhador.

ACORDAM os Senhores Desembargadores do Pleno do Tribunal Regional do Trabalho da Sexta Região, por maioria, pela prevalência da tese jurídica de que é inválida a transação extrajudicial, com vistas a prevenir litígios com ex-empregado que trabalhou exposto ao amianto/asbesto, que contenha cláusula de renúncia expressa e irrevogável a qualquer outro direito, não se configurando ato jurídico perfeito, por envolver direito fundamental dirigido à integridade do trabalhador; sendo que o Exmo. Desembargador Fábio André de Farias invalidava exclusivamente a cláusula 9ª do ajuste, vencidos os Exmos. Desembargadores Relatora, Ivanildo da Cunha Andrade, Valdir José Silva de Carvalho, Maria Clara Saboya Albuquerque Bernardino e Nise Pedroso Lins de Sousa que votavam no sentido de se declarar válido o instrumento de transação extrajudicial, por trabalhador alcançado pelos efeitos do trabalho exposto ao amianto, quando não vislumbrada a existência de qualquer vício de consentimento do empregado que aceitou os termos do acordo, que na ocasião tinha conhecimento do seu estado de saúde, sendo a negociação válida e regular, configurando ato jurídico perfeito, razão pela qual merece ser respeitada a eficácia liberatória conferida à transação extrajudicial celebrada pelas partes litigantes.

  Recife (PE), 11 de dezembro de 2015.

                          ENEIDA MELO CORREIA DE ARAÚJO

              Desembargadora Redatora    


CERTIDÃO DE JULGAMENTO

Certifico que, em sessão extraordinária, realizada em 11 de dezembro de 2015, na sala de sessões, sob a presidência da Exma. Desembargadora Presidente GISANE BARBOSA DE ARAÚJO, com a presença de Suas Excelências os Desembargadores  da Corte, em observância a ordem de antiguidade, na forma do art. 104-A, VIII, do RITRT6, Maria do Socorro Silva Emerenciano (Relatora), Eneida Melo Correia de Araújo, Ivanildo da Cunha Andrade, Virgínia Malta Canavarro, Valéria Gondim Sampaio, Ivan de Souza Valença Alves, Valdir José Silva de Carvalho, Dione Nunes Furtado da Silva, Maria Clara Saboya Albuquerque Bernardino, Nise Pedroso Lins de Souza, Ruy Salathiel de Albuquerque e Mello Ventura, Sergio Torres Teixeira, Fábio André de Farias e Paulo Alcântara,  e do Excelentíssimo Senhor Procurador-Chefe da Procuradoria Regional do Trabalho da Sexta Região, Dr. José Laízio Pinto Júnior, resolveu o Tribunal Pleno,  por maioria, pela prevalência da tese jurídica de que é inválida a transação extrajudicial, com vistas a prevenir litígios com ex-empregado que trabalhou exposto ao amianto/asbesto, que contenha cláusula de renúncia expressa e irrevogável a qualquer outro direito, não se configurando ato jurídico perfeito, por envolver direito fundamental dirigido à integridade do trabalhador; sendo que o Exmo. Desembargador Fábio André de Farias invalidava exclusivamente a cláusula 9ª do ajuste, vencidos os Exmos. Desembargadores Relatora, Ivanildo da Cunha Andrade, Valdir José Silva de Carvalho, Maria Clara Saboya Albuquerque Bernardino e Nise Pedroso Lins de Sousa que votavam no sentido de se declarar válido o instrumento de transação extrajudicial, por trabalhador alcançado pelos efeitos do trabalho exposto ao amianto, quando não vislumbrada a existência de qualquer vício de consentimento do empregado que aceitou os termos do acordo, que na ocasião tinha conhecimento do seu estado de saúde, sendo a negociação válida e regular, configurando ato jurídico perfeito, razão pela qual merece ser respeitada a eficácia liberatória conferida à transação extrajudicial celebrada pelas partes litigantes.



Acórdão pela Exma. Desembargadora Eneida Melo Correia de Araújo, a teor do art.  Do art. 104-A, VIII, do RITRT6.

As advogadas Sueny Andréa, OBA/SP 0162354, e Maria Geruza Correia Elvas, OAB/PE 24.963, fizeram sustentação oral pela suscitada SAINT-GOBAIN do Brasil Produtos Industriais para Construção Ltda e pela Associação Pernambucana dos Expostos ao Amianto-APEA,  na qualidade de amicus curiae, respectivamente.

Os Excelentíssimos Desembargadores Corregedor Ivan de Souza Valença Alves, Nise Pedroso Lins de Sousa e Ruy Salathiel de Albuqerque e Mello Ventura, mesmo em gozo de férias, compareceram a presente sessão, por força de convocação, mediante Ofício Nº TRT-STP- 244/2015-Circular.

Ausente, justificadamente, o Excelentíssimo Desembargador André Genn de Assunção Barros, por se encontrar convocado para o colendo TST.

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