segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

Empresa de Leme é condenada a indenizar herdeiros de vítima de doença causada por amianto

A Subseção 1 Especializada em Dissídios Individuais (SDI-1) do Tribunal Superior do Trabalho não conheceu de recurso de embargos da Infibra Ltda., e manteve decisão que a condenou a indenizar os herdeiros de um ex-empregado que contraiu asbestose, doença provocada pela aspiração do pó de amianto. A SDI-1 afastou a alegação de prescrição e considerou como marco inicial da contagem do prazo prescricional o laudo médico que constatou a incapacidade do empregado para o trabalho, e não a data da ciência da doença, como pretendia a empresa.



A ação foi ajuizada, inicialmente, na Justiça Comum, com pedido de indenização por danos morais. O trabalhador informou que trabalhou na empresa de abril de 1961 a novembro de 1981, e que nesse período exerceu várias atividades na fabricação de chapas de fibrocimento (mistura de amianto e cimento), como encarregado de máquinas e supervisor. A principal matéria prima utilizada na fabricação das chapas é o asbesto (silicato duplo de magnésio e cálcio), mais conhecido como amianto.



De acordo com o empregado, durante os mais de 20 anos trabalhou exposto diretamente aos efeitos do asbesto, agente patológico responsável por diversas doenças. Tanto que um relatório médico de março de 1998, elaborado pela Fundacentro - Fundação Jorge Duprat Figueiredo de Segurança e Medicina do Trabalho, constatou sintomas de dispnéia (falta de ar) a médios esforços e tosse com expectoração matinal há 12 anos. Submetido à radiografia do tórax, constatou-se a presença de asbestose, com sério comprometimento da sua função pulmonar.



Segundo ele, a empresa não lhe fornecia equipamentos de proteção e segurança para evitar o contato direto com a poeira do cimento e do asbesto, nem fazia exames médicos nos empregados. Além da abestose, também teria sofrido deformidade nos dedos das mãos, conhecida como “baqueteamento digital e estertores de base”, devido ao contato direto e prolongado com o amianto. Seu caso, afirmou, não foi isolado, pois soube de outros colegas com danos irreparáveis à saúde.



Quando seu contrato foi rescindido em novembro de 1981, o empregado supôs que já tivesse contraído a asbestose. Se naquela ocasião tivessem sido realizados exames que constatassem a doença, ele seria aposentado por invalidez com o salário que recebia na empresa, e não o valor equivalente a 1,38 salários mínimos pago pelo INSS. Feitos os cálculos, pediu indenização por perdas e danos de R$ 194 mil e pensão mensal até completar 65 anos de idade e indenização por danos morais de mil salários mínimos.



Justiça do Trabalho



Com a edição da Emenda Constitucional nº 45/2004, que atribuiu à Justiça do Trabalho a competência para julgar ações de indenização por dano moral e patrimonial decorrentes da relação de trabalho, a Justiça Comum remeteu o processo à Vara do Trabalho de Leme (SP). Com a morte do trabalhador em maio de 2006, por asbestose, os herdeiros passaram a atuar na ação.



Os pedidos foram julgados procedentes em parte, com a condenação da Infibra a pagar aos herdeiros indenização equivalente à pensão mensal postulada por danos materiais e indenização por danos morais. O Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região (Campinas/SP) afastou a prescrição do direito à ação alegada pela empresa, entre outras razões porque a incapacidade decorrente da doença ocupacional foi comprovada em março de 1998 pelo laudo da Fundacentro e a ação foi ajuizada em maio do mesmo ano, antes da entrada em vigor do novo Código Civil de 2002. A Quarta Turma do TST, ao julgar recurso de revista, manteve como marco inicial a data do laudo da Fundacentro, e não a data do surgimento da doença, em 1981.



Nos embargos à SDI-1, a empresa insistiu na desconsideração do laudo como data inicial da contagem do prazo prescricional de 20 anos, ao argumento de que nos casos de doença profissional, “por mais longa que seja sua instalação”, não seria possível entender que o trabalhador só teria ciência inequívoca dela a partir de um laudo feito 17 anos após o término do contrato de trabalho, cuja duração foi de 20 anos.



Para o relator, ministro Augusto César de Carvalho, o marco inicial da contagem da prescrição foi o laudo médico. Ele assinalou que não havia na decisão a afirmação de que o empregado teria tido ciência da incapacidade antes do laudo de 1998. “Ainda que se tenha como marco inicial a data do término do contrato de trabalho em 1981, a incidência inconteste do prazo prescricional de 20 anos previsto no Código Civil demonstra que a pretensão deduzida na Justiça Comum em 8/5/1998 não está prescrita”, concluiu.



(Lourdes Côrtes/CF)



Processo: RR-181500-70.2005.5.15.0134

PROCURADORIA GERAL DA REPÚBLICA DÁ PARECER PELO BANIMENTO DO AMIANTO

Parecer é resposta à ação impetrada em 2008 por associações de magistrados

 CASSIA ALMEIDA
 Publicado em O GLOBO no dia 8/12/11 - 22h42


"...Sob qualquer ângulo que se examine a questão, a Lei 9.055/95 (que permite o uso de amianto crisotila) viola a devida proteção do direito à saúde e ao meio ambiente" , diz o parecer assinado pelo procurador geral da República, Roberto Gurgel Santos, favorável ao banimento total do amianto no Brasil. O entendimento do Ministério Público Federal veio em resposta à ação direta de inconstitucionalidade impetrada em abril de 2008 pelas associações nacionais de procuradores do Trabalho e dos magistrados da Justiça do Trabalho contra a Lei 9.055/95, que permite o uso controlado do amianto crisotila no país, o único tipo desta fibra que não está proibida no Brasil. Para o presidente da Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho (ANPT), Sebastião Caixeta, o parecer da Procuradoria Geral é "um passo importante" na direção ao banimento do amianto no Brasil: — Isso significa que o Ministério Público aceitou nossa argumentação de que não existe nível seguro do uso da fibra para a saúde. Já há substitutos possíveis para o amianto. Isso fortalece nossos argumentos. Caixeta espera que o julgamento do mérito da ação aconteça no primeiro semestre de 2012. Com o parecer, o relator, o ministro Ayres Britto, já tem condições de redigir seu voto, que irá para apreciação no plenário. O parecer é contundente ao defender o fim do uso do amianto: "Como já demonstrado, há uma infinidade de documentos produzidos por órgãos nacionais e internacionais, de caráter público, no sentido de que o amianto, em todas as suas formas, inclusive a crisotila, provoca câncer e outras doenças, todas progressivas e que levam à morte. Eles ainda são incisivos quanto a não haver índice de exposição segura ao amianto". Segundo o parecer da vice-procuradora geral da República, Deborah Macedo Duprat de Britto Pereira, aprovado pelo procurador Roberto Gurgel, "permitir as várias modalidades de uso da crisotila é consentir com danos já antecipados, o que está na contramão da disciplina constitucional dos princípios da precaução e da prevenção em saúde e meio ambiente". O Instituto Brasileiro do Crisotila (IBC), que representa as entidades e empresas que defendem o uso do amianto no país, preferiu não se pronunciar sobre o parecer. Em nota, afirmou que a questão "segue no âmbito do Judiciário".
 
Leia mais sobre esse assunto em http://oglobo.globo.com/economia/procuradoria-pede-banimento-do-amianto-3413053#ixzz1fzx0ZVqk

sábado, 15 de outubro de 2011

QUEM É O "MÉDICO SUÍÇO" QUE AVALIZA O AMIANTO BRASILEIRO COMO INOFENSIVO

Em http://www.viomundo.com.br/denuncias/perito-suico-em-amianto-foi-pago-pela-industria-brasileira-do-amianto.html




28 de maio de 2010 às 2:44

Perito “suiço” em amianto foi pago pela indústria brasileira do amianto

Publicada originalmente em 28 de setembro de 2008



por Conceição Lemes, do site antigo



Guarde este nome: David Bernstein. E este termo: biopersistência. A partir de agora, “ouvirá” falar bastante de ambos. No centro da discussão, o amianto branco, ou crisotila, utilizado no Brasil. Com a palavra, primeiro, as instituições defensoras do mineral no País. Seus sites expressam suas posições.



O da Comissão Nacional dos Trabalhadores do Amianto (CNTA) divulga: “A menor taxa de biopersistência: ‘Estudos recentes confirmam que o crisotila brasileiro é menos nocivo á saúde humana no mundo’. A declaração é do médico David M. Bernstein em abordagem sobre os efeitos do mineral para a saúde (sic)”.



“‘Hoje, diferente do que ocorreu no passado, não há nenhum risco para os trabalhadores, que aderiram ao uso controlado e responsável, assim como para a população que utiliza produtos que contém o crisotila e o mundo precisa saber disso (sic)’”, destaca Adilson Santana, vice-presidente da CNTA, ao comentar, no boletim da entidade, a Conferência Internacional do Amianto, realizada na cidade do México, em 2007. “A Conferência foi marcada por diversas palestras, que deram um panorama geral sobre o amianto crisotila e a defesa dos recursos naturais, como o do médico e pesquisador David Bernstein (sic) …”



O Instituto Brasileiro do Crisotila (IBC) propaga: “Em temperaturas acima de 800ºC o amianto crisotila sofre decomposição térmica, transformando-se em forsterita (…); a forsterita não é fibrosa, sendo inócua à saúde humana. Estudos de biopersistência evidenciam o fato do produto ter baixo potencial de toxicidade (…) Esses dados foram confirmados pelo renomado médico toxicologista suíço, Dr. David Bernstein (sic).” O objetivo principal do IBC é fazer lobby a favor dos interesses da indústria.



O site do Grupo Eternit, o maior do setor de amianto no Brasil, expõe: “Biopersistência significa o tempo de permanência das fibras no pulmão antes de serem eliminadas. Enquanto as do amianto crisotila permanecem no máximo dois dias e meio no pulmão, as do anfibólio ficam mais de um ano. Os trabalhadores das indústrias que seguem as regras do uso controlado estão totalmente seguros”.



“O discurso sindical é xerox do discurso empresarial”, considera Eliezer João de Souza, presidente da Associação Brasileira dos Expostos ao Amianto (Abrea). A engenheira de segurança do trabalho Fernanda Giannasi, auditora fiscal do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) em São Paulo e coordenadora da Rede Virtual-Cidadã pelo Banimento do Amianto para a América Latina, põe o dedo na ferida: “CNTA =IBC=Eternit = David Bernstein + biopersistência”.



Bernstein defende que o tempo que a fibra de amianto persiste no pulmão é que indica o seu grau de nocividade. É o que ele chama de biopersistência. Em 1999, ao participar de uma audiência pública sobre o tema na Câmara dos Deputados, em Brasília, foi saudado como “cientista suíço, autoridade máxima e de reconhecimento internacional em estudos de fibras e partículas”.



Na ocasião, apresentou-se como pesquisador independente e disse, entre outras coisas, que: 1) a crisotila da mina de Cana Brava, em Minaçu, norte do Estado de Goiás, fica pouco tempo no pulmão, o que eliminaria o risco de ser cancerígena; 2) o amianto brasileiro seria seguro e não faria mal à saúde; 3) suas pesquisas sobre biopersistência, feitas com ratos de laboratório, teriam orientado a Comissão Européia na classificação de fibras. Fora, inclusive, convidado a participar dela.



INDÚSTRIA BRASILEIRA DO AMIANTO FINANCIOU BERNSTEIN



Faltou com verdade aos deputados brasileiros. Físico de formação e estadunidense de nascimento, Bernstein acabou se dedicando à toxicologia e foi morar na Suíça.



Recentemente, sua máscara de neutralidade e independência lhe foi arrancada em plena Corte do Distrito de Ellis County, Texas, Estados Unidos. A audiência era para tratar do processo de indenização de vítima de mesotelioma contra a empresa Geórgia Pacific (G-P), que fabricava produtos à base de crisotila, também conhecido como calídria, proveniente da mina da Union Carbide na Califórnia. Bernstein compareceu na condição de expert para defender a G-P, como o fizera anteriormente para a Union Carbide.



O tiro saiu pela culatra. Ao ser interpelado pelo advogado dos familiares da vítima, Rick Nemeroff, revelou, entre outras coisas, que a indústria brasileira do amianto financiou suas pesquisas com a crisotila. A transcrição do depoimento tem 143 páginas. Abaixo alguns trechos importantes. Você vai descobrir que certas informações disseminadas por e sobre Bernstein, inclusive no Brasil, não correspondem à verdade factual. P refere-se às perguntas dos advogados. R, às respostas de Bernstein.



(…)



P. Doutor, quanto você recebe atualmente por hora de trabalho?



R. Em moeda local, na Suíça, meu preço é 506 francos-suíços por hora.



P. Convertidos em dólares americanos, é quanto?



R. Suponho que US$ 415 por hora.



(…)



P. Você tem falado a este júri sobre seus estudos com crisotila. Eles foram realizados a pedido da Union Carbide [dos Estados Unidos], do setor de mineração da crisotila no Brasil, do Instituto de Asbesto e do governo do Canadá. Isso é correto?



R. Correto.



P. Suponho que contou a este júri que, nas décadas de 1960 e 1970, quando você descobriu que a crisotila causava mesotelioma, os seus estudos não eram financiados por esses grupos, eram?



R. Eles foram financiados por outros grupos.



P. Outros grupos?



R. Hum-hum.



P. E, agora, que trabalha para grupos de mineração ou industrialização da crisotila, você próprio está se distanciando dos seus estudos iniciais, dizendo: no passado, nós cometemos erros, demos doses exageradas para os ratos e assim por diante. Isso é parte do seu testemunho, aqui, ao júri?



R. É parte dele.



(…)



P. Quanto os advogados, representando a Union Carbide, ajudaram a financiar seus estudos? Conte a este júri quanto você recebeu deles para fazer o trabalho que você está fazendo hoje neste tribunal?



R. Eles me pediram para fazer uma avaliação científica.



P. Quanto eles pagaram em dinheiro para você? Pode ser em francos ou dólares.



R. Eu não tenho isso em mãos no momento.



P. Refrescaria a sua lembrança se eu lhe mostrasse que os representantes da Union Carbide [um dos clientes de Bernstein e ré em muitos casos de amianto nos Estados Unidos] admitem ter pago a você US$ 400.623,30 por sua participação em audiências de litígio?



(…)



Corte. Ouça. Pode me ouvir? Pode me ver e ouvir? Leia meus lábios. Quanto a Union Carbide, por meio dos advogados dela, pagou a você?



R. Não tenho o total exato na minha frente. Me lembro que é cerca de 100 mil francos suíços.



(…)



P. Você nos falou a respeito dos seus estudos; repetidamente disse que a EPA [Agência de Proteção Ambiental, dos EUA] e a Comissão Européia vieram até você para fazer alguma coisa. Nem a EPA nem a Comissão Européia jamais procuraram você para fazer um estudo sobre amianto, procuraram?



R. Não, eles não me procuraram.



P. Então, se este júri ficou com a impressão de que EPA e a Comissão Européia procuraram você devido às suas opiniões sobre amianto, isso seria incorreto, certo?



R. Sim.



(…)



P. Eu entendo que epidemiologia (…) é o estudo das pessoas e de fatores que causam doenças. Você concorda comigo?



R. Concordo.



P. E você, senhor, não é epidemiologista?



R. Eu não sou.



P. Então, seria justo afirmar que você estuda amianto em ratos para ver o que acontece?



R. É verdade.



P. Em relação às suas qualificações, senhor, você não é higienista industrial, é?



R. Eu não sou.



P. E não é médico?



R. Eu não sou.



P. E não é patologista?



R. Eu não sou.



(…)



P. E o senhor discorda de todas as agências que dizem que o amianto crisotila pode causar mesotelioma [câncer agressivo e fatal de pleura, pulmão, peritônio, pericárdio e diafragma; a média de sobrevida após o diagnóstico é de 1 ano], não é correto?



R. Correto.



P. E você discorda de todos os países que baniram o amianto, inclusive daquele que você escolheu morar, não é correto?



R. Correto.



P. E as suas conclusões são baseadas nos estudos financiados por esta companhia, com licença, não por esta companhia, mas financiados por companhias que atuam na mineração e fabricação de produtos com amianto crisotila?



(…)



“SILÊNCIO CONSTRANGEDOR SOBRE A QUANTIA PAGA CHEIRA MAL”



As pesquisas de Bernstein e suas conclusões foram usadas pela indústria no mundo inteiro, inclusive no Brasil, com os objetivos de: inocentar a crisotila dos males do amianto, adiar leis e regulamentos de restrição ou banimento do mineral e não pagar indenizações às vítimas. Desde o início do século 20, já se sabia que o amianto causa asbestose, mais conhecida como “pulmão de pedra”. A doença provoca o “endurecimento” do pulmão, levando pouco a pouco à perda progressiva da capacidade respiratória; pode evoluir para a morte — a chamada morte lenta. Na década de 1940, comprovou-se que era cancerígeno.



Em 3 de setembro, esta repórter enviou seu primeiro e-mail a David Bernstein. Perguntou:



1) Sabemos que teve pesquisas financiadas pela indústria brasileira do amianto. O senhor confirma isso? Que companhia, especificamente, financiou seu trabalho?



2) Se a informação que temos é totalmente verdadeira, poderia nos dizer quanto recebeu? Para que pesquisas esses financiamentos foram utilizados? Uma delas é sobre a biopersistência da crisotila brasileira. Há outras?



Primeiro e-mail, nenhuma resposta. Segundo, idem. Terceiro, também. No quarto: “Todos os financiamentos estão referidos na primeira página de cada publicação e se você quiser mais informação, por favor, contate as respectivas companhias”.



Solicitamos então o envio de uma cópia dos trabalhos por e-mail. Ou, considerando que eram públicos, que dissesse o nome das empresas que o financiaram e quanto pagaram. Esquivou-se, de novo: “Estou viajando e não os tenho disponíveis. Você pode fazer o download deles no website da revista Inhalation Toxicology. Espero que você leia as publicações”.



Ao mesmo tempo, questionamos Marina Júlia de Aquino, presidente-executiva do IBC. Por meio de sua assessoria da imprensa, devolveu, por e-mail, a bola para Bernstein: “Quando o Instituto Brasileiro do Crisotila foi criado, o Dr. David Bernstein já havia realizado suas pesquisas. A pergunta, portanto, deve ser encaminhada diretamente a ele”.



Perguntamos também à Eternit. Apesar de vários e-mails e contatos telefônicos desta repórter com assessoria de imprensa do Grupo, silêncio total. A indústria brasileira que financiou as pesquisas de Bernstein sobre a crisotila foi justamente a mineradora do Grupo Eternit, a SAMA, em Minaçu, norte de Goiás. A SAMA é responsável pela única mina de amianto em exploração no Brasil — a de Cana Brava. Descobrimos duas publicações, onde a SAMA é citada como financiadora; ironicamente, uma delas, no próprio site do IBC, em português e inglês.



“Cheira mal o silêncio constrangedor de Bernstein e de seus clientes, quando solicitados a divulgar quanto a indústria brasileira do amianto pagou pelos serviços do cientista”, vaticina o consultor ambiental Barry Castleman, autor do livro Asbestos: Medical and Legal Aspects (Amianto: Aspectos Médicos e Legais).



Castleman é, desde 1999, consultor do Banco Mundial e da Comissão Européia para assuntos relativos ao amianto. É também testemunha-expert nas Cortes americanas sobre matérias de saúde pública e história corporativa do amianto. Por ano, atua em 20 a 30 processos, quase todos casos de mesotelioma. Ele denuncia: “Bernstein continuará sendo pago pelos negócios do amianto, inclusive do Brasil, enquanto houver ações financiadas pela indústria para defender seus produtos. Ele é o fim de uma longa tradição de cientistas contratados para publicar pesquisas e conclusões em saúde pública favoráveis à indústria do amianto”.



“Em 1999, quando o Bernstein depôs na Câmara dos Deputados, bem que estranhamos o fato de ele só andar com o pessoal da indústria. Agora sabemos o motivo”, observa Fernanda Giannasi. “Bernstein participa de uma orquestração internacional muito bem engendrada para sustentar em todo o mundo a ausência de nocividade da fibra assassina. Médicos das nossas mais prestigiosas faculdades de medicina fazem parte dela. Bernstein, como dizem os americanos, é o melhor que o dinheiro pode comprar.”



Laurie Kazan-Allen, coordenadora do International Ban Asbestos Secretariat (Secretariado Internacional pelo Banimento do Amianto, o IBAS), sediado na Inglaterra, fustiga: “Já que David Bernstein não é epidemiologista, não é higienista industrial, não é médico ou patologista e todas as entidades científicas rejeitam as conclusões dele de que a crisotila não é cancerígena, estou muito curiosa para saber que serviços ele presta para merecer tanto dinheiro dos réus do amianto, as mineradoras e indústrias do setor”.



“O argumento dele é ridículo”, afirma o médico David Egilman, professor adjunto de Clínica Médica da Brown University, em Massachusetts, EUA, e testemunha em disputas judiciais para uma companhia que foi proprietária de uma mina de amianto. “Ele só enxerga ‘biopersistência’ no pulmão e todo mundo concorda que a crisotila causa câncer no pulmão. A crisotila é o tipo de fibra mais ‘biopersistente’ na pleura; assim, se ‘biopersistência’ é a questão-chave para a carcinogenicidade, então a crisotila é a principal causa de mesotelioma. Para tanto dinheiro assim, eles deveriam ter arranjado uma teoria melhor.”



“O fato de a crisotila ser menos biopersistente não significa que seja inócua à saúde; é como fumaça do cigarro”, compara o médico Ubiratan de Paula Santos, professor colaborador da disciplina de Pneumologia do Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP (Incor/HC/FMUSP). “A fumaça não tem biopersistência alguma. Entra e vai embora. Mas, ao fumar todo dia, você vai provocando e renovando a lesão. Resultado: assim como o cigarro no longo prazo pode causar câncer de pulmão, a crisotila pode ocasionar câncer de pulmão e mesotelioma.”



Na verdade, o trabalho de Bernstein segue o modelo da “ciência do tabaco”. Sempre que algo pode ameaçar a sua sobrevivência, cria-se uma nova teoria para protelar a discussão. É o que David Michaels chama de ciência da defesa do produto no seu livro Doubt is Their Product (Dúvida é o produto deles). O título vem de um memorando interno da indústria do tabaco que dizia “a dúvida é o nosso produto”.



“O memorando dizia que enquanto se mantivesse o debate sobre se fumar mata, seria possível retardar as normas reguladoras”, expõe Castleman. “É o que a indústria do amianto faz desde a década de 1930, quando já se manipulavam as pesquisas para que a discussão não ganhasse repercussão e o assunto não entrasse em debate. Sempre havia um cientista importante que tinha feito uma pesquisa que negava o malefício descoberto.”



“Quantos estudos que atestaram a ‘ausência de risco’ da crisotila não foram financiados ou apoiados de certa forma pela indústria do amianto? Eu estou tentando me lembrar de um!”, ironiza o historiador especializado em negócios corporativos, professor e pesquisador inglês Geoffrey Tweedale, autor do livro Defending the Indefensible: The Global Asbestos Industry and its Fight for Survival (Defendendo o Indefensível: A Indústria Global do Amianto e sua Luta pela Sobrevivência). O também historiador JocK McCulloch é seu co-autor.



Tweedale é taxativo: “As táticas usadas pela indústria do amianto no Brasil não são novas; foram formuladas e usadas ao longo de décadas. Certamente na Europa a indústria do amianto influenciou (e muitas vezes financiou) médicos, jornalistas e políticos de várias maneiras. No Reino Unido, eu não estou a par de nenhum caso de pagamento de propina para sindicalistas e membros do judiciário. Nesse sentido, a situação brasileira é talvez ainda mais surpreendente”.



“DENÚNCIAS GRAVES”. “CONFLITO DE INTERESSES FLAGRANTE”



De fato, a história se repete. O que o Brasil fez foi apenas reproduzir o modelo que existia lá fora. Nada de novo. A indústria brasileira financiou a pesquisa de Bernstein que “livra cara” da crisotila brasileira. Curiosamente, bancou e banca boa parte das pesquisas sobre amianto dos médicos Mário Terra Filho, Ericson Bagatin e Luiz Eduardo Nery, respectivamente, professores da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP), da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). É deles o estudo que levou à conclusão de que nenhum trabalhador brasileiro que começou a trabalhar com amianto após 1980 adoeceu. Um mantra repetido à exaustão pelo lobby do amianto.



A reportagem Médicos disseram que Manoel estava bem de saúde. Mas ele tinha câncer no pulmão, publicada pelo Viomundo em 14 de julho, denunciou ainda que:



1) Mário Terra Filho, Ericson Bagatin e Luiz Eduardo Nery, responsáveis por pesquisas com amianto, são os mesmos médicos que, através de empresa privada que mantêm em sociedade, participam das Juntas Médicas de Acordos Extrajudiciais com fins de indenização das vítimas pelos danos provocados pela exposição ao amianto.



2) Desse modo, fazem pesquisa sobre o amianto — financiada inclusive com dinheiro público –, diagnóstico de ex-empregados do setor — como consultores da empresa e com financiamento privado — e ainda interferem no valor das indenizações, já que indicam o grau de incapacidade e a classe correspondente no referido Acordo. Privado e público se confundem na cabeça dos ex-empregados. Onde começa um e termina o outro?



3) Apresentam conflito de interesse tanto na relação médico-paciente quanto na realização de suas pesquisas sobre amianto.



4) Omitem informações importantes aos órgãos de fomento à pesquisa científica do País.



5) Escondem informações cruciais às comissões de ética em pesquisa das suas próprias instituições. Foi o que aconteceu com o projeto Exposição ambiental ao asbesto: avaliação dos riscos e efeitos na saúde apresentado à Comissão de Ética para Análise de Projetos de Pesquisa (CAPPesq) da Diretoria Clínica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP. O orçamento previsto era de 4 milhões de reais. Foi revelado à CAPPesq apenas 1 milhão de reais do Conselho Nacional de Pesquisa e Desenvolvimento (CNPq). Sonegou-se que boa parte do valor restante seria financiado pela indústria do amianto no Brasil.



“Nada disso foi dito nem descrito quando [2006] da apresentação do projeto à CAPPesq”, afirma Euclides Castilho, seu presidente à época e professor titular do Departamento de Medicina Preventiva da Faculdade de Medicina da USP. “Vejo como uma situação grave. Demonstra conflito de interesse flagrante. Fere a resolução 196/96 da Conep.” Conep é a Comissão Nacional de Ética em Pesquisa. É uma comissão do Conselho Nacional de Saúde. Seu princípio maior é o controle social, a defesa da sociedade.



“A conduta deles é muito típica de médicos financiados pela indústria”, observa Geoffrey Tweedale. “Nomeie um país onde isso não tenha acontecido. Não existe!”



Laurie Kazan-Allen compara o caso à situação na Índia: “A vergonhosa situação da comunidade médica na Índia em relação aos trabalhadores do setor do amianto é bem parecida ao escândalo dos pesquisadores brasileiros que receberam financiamento da indústria do amianto para fazer pesquisa que, convenientemente, mostrou que a crisotila brasileira não é perigosa”. Semana passada, em conjunto com vários colegas indianos, Laurie lançou, simultaneamente, em Bombaim e Amsterdã o livro India’s Asbestos Time Bomb (Amianto, uma Bomba Relógio na Índia). Coincidentemente, um relatório que, entre outras bombas, condena médicos indianos por acordos secretos com a indústria local do amianto.



“Como esses médicos conseguem dormir, sabendo que estão agindo contra nós, trabalhadores?”, indigna-se Eliezer de Souza, presidente da Abrea, contaminado pelo amianto. “É muita desumanidade, irresponsabilidade e falta de ética.”



“As denúncias publicadas pelo Viomundo mudaram a história no Brasil. São um divisor de águas: antes e depois delas”, afirma Fernanda Giannasi, símbolo da luta contra o amianto no País. “Muita gente foi enganada por esses médicos da indústria travestidos de pesquisadores neutros e professores éticos das nossas mais importantes universidades.”



“Os juízes, ao lerem um relatório deles, aceitavam-no como a grande verdade científica. Os trabalhadores acreditavam que estavam sendo encaminhados a médicos ilibados de faculdades da maior credibilidade. Políticos os reverenciavam assim como a imprensa nacional que, antes de publicar qualquer queixa nossa, ia ouvir essas ‘autoridades médicas’”, ilustra Fernanda Giannasi. “Agora, está provado que nem os médicos nem as pesquisas deles são isentas. Ao contrário. A pesquisa é um relatório feito sob encomenda para a indústria do amianto. Eles macularam a imagem de suas instituições, que acabaram legitimando as teses da segurança do uso da crisotila no país e sua inocuidade à saúde pública.”



CREMESP ABRE SINDICÂNCIA. USP PROMETE APURAÇÃO ISENTA



Baseados nas reportagens Aldo Vicentin, mais uma vítima do Amianto e Médicos disseram que Manoel estava bem de saúde. Mas ele tinha câncer no pulmão, publicadas pelo Viomundo, a Abrea solicitou ao Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (Cremesp) e às instituições envolvidas a apuração das denúncias. A Abrea representa milhares de vítimas do amianto no País, organizadas em seis estados da nossa federação — São Paulo, Rio de Janeiro, Bahia, Paraná, Goiás e, mais recentemente, Minas Gerais.



“São fatos graves que estão sendo denunciados”, diz o médico Henrique Carlos Gonçalves, presidente do Cremesp. “A luta dos trabalhadores expostos ao amianto é perfeitamente correta do ponto de vista social. E o Cremesp, além de ser um órgão de fiscalização do exercício da Medicina, é historicamente comprometido com as lutas sociais.” O Cremesp abriu imediatamente a sindicância nº 096142.



Na USP, a denúncia foi feita diretamente ao diretor clínico do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina, o professor José Otávio Auler Jr. O alvo é o professor Mário Terra Filho, chefe do Ambulatório de Pneumologia Ocupacional do Incor, subordinado ao HC-FMUSP. Rapidamente, o doutor Auler criou uma comissão de averiguação para apurar o caso; ela tem até 18 de outubro para apresentar suas conclusões. “A apuração será isenta, neutra”, promete.



Na Unicamp, a denúncia foi encaminhada à coordenadora do Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Ciências Médicas, a professora Carmen Sílvia Bertuzzo. O alvo é Ericson Bagatin, professor de saúde ocupacional. “Abrimos uma sindicância para apurar esses fatos; estamos no meio dessa averiguação”, informa a professora Carmen. “Assim que terminarmos, encaminharemos nosso parecer final.”



“Esse projeto de pesquisa não passou pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Unifesp”, diz o seu coordenador, o professor José Osmar Pestana Medina. “A questão está sendo discutida no âmbito da USP e do Conselho Regional de Medicina.” O alvo é Luiz Eduardo Nery, professor de Pneumologia.



CERTIDÃO DE ÓBITO DE MANOEL: AMIANTO NÃO APARECE. “MEDO”.



A reportagem Manoel estava bem de saúde. Mas ele tinha câncer no pulmão foi publicada no dia 14 de julho. Em 6 de agosto Manoel de Souza e Silva Júnior, 64 anos, faleceu em decorrência de um câncer de pulmão causado por amianto e cigarro. Trabalhou na SAMA de agosto de 1982 a novembro de 1996.



“Está muito difícil. A gente sente bastante falta do Manoel”, chora a esposa, dona Maria Lúcia, que em agosto completaria 45 anos de casamento. “A minha vida se foi.”



“Na última vez em que o Manoel foi ao escritório da SAMA fazer exame, tinha biscoito, lanchinho”, relembra. “O Manoel disse: ‘querem comprar a gente com isso’. Estava inconformado, enfurecido. Tinha perdido um amigo, o Ildo, que trabalhava no escritório e morreu de câncer do pulmão. Disseram que era porque fumava demais. O Ildo nunca pôs um cigarro na boca e ainda falava para todo mundo não fumar!”



“Nesses anos todos, aquela cambada de safados da SAMA e os médicos ficaram impunes. Não imaginavam que um operário fosse abrir o bico”, fala já com orgulho. “Agora, quero que todos paguem, inclusive os médicos da Junta Médica. Não só pelo o que fizeram com o Manoel, mas por todos os operários que foram vítimas do mesmo esquema.”



“Bem no fim, quando tinha apenas alguns momentos de lucidez, o Manoel pediu para mim e os sete filhos: ‘Não larguem a luta. Vão até o fim’”, emociona-se. “Nós iremos!”



“Em Goiás, o medo de represálias da SAMA é tamanho que a palavra amianto não aparece na certidão de óbito do meu pai”, revela a filha Lúcia de Souza e Silva Marques, a Lucinha. “E isso apesar de apresentarmos o laudo do doutor Ubiratan de Paula Santos, da disciplina de Pneumologia da Faculdade de Medicina da USP, atestando que o câncer de pulmão foi causado pelo amianto e pelo cigarro.”



“Nós insistimos para que constasse a palavra amianto”, enfatiza Cláudia de Souza e Silva, outra filha do senhor Manoel. “O mais próximo que a médica chegou foi fibrose pulmonar, que é um problema que pode ser causado pelo amianto.” No caso do amianto, essa fibrose é denominada asbestose.



“Inegavelmente, há um conluio, envolvendo os médicos da Junta Médica e o ‘doutor’ David Bernstein, para ocultar os casos de doenças relacionadas ao amianto e contribuir para a invisibilidade delas no País”, arremata Fernanda Giannasi.“A ‘ausência’ de doentes e de estatísticas adia o debate para o banimento da fibra cancerígena. Sob o pretexto de haver dúvidas se o amianto brasileiro goiano é realmente nocivo, nossos políticos se esquivam de pôr fim a esta tragédia ecossanitária sem precedentes na história industrial moderna. A dúvida é produto deles, não nosso. Nós temos certeza. O amianto mata!”



terça-feira, 27 de setembro de 2011

LIMINAR QUE IMPEDIA FISCALIZAÇÃO DA VIGILÂNCIA SANITÁRIA NO GRUPO INFIBRA DE LEME FOI CASSADA: MAIS UMA DERROTA DO LOBBY DO AMIANTO


PODER JUDICIÁRIO



JUSTIÇA DO TRABALHO



TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 15ª REGIÃO



Vara do Trabalho de Leme/SP



Processo nº 180600-48.2009.5.15.0134 RTOrd



Litigantes: INFIBRA S.A., requerente, SAMA S.A.



MINERAÇÕES ASSOCIADAS, assistente litisconsorcial, e MUNICÍPIO DE



LEME, requerido.



Submetido o processo a julgamento, foi proferida a seguinte



SENTENÇA:

Pedidos às fls. 21/23.

Deferida liminar às fls. 474/480 para que a requerente pudesse continuar produzindo, até o julgamento do feito, artefatos contendo amianto crisotila.



Inclusão de assistente litisconsorcial no pólo ativo às fl. 502.



Apresentada defesa às fls. 747 e seguintes, com manifestação sobre documentos às fls. 759/760.



Em audiência, dada a desnecessidade de produção de provas, foi encerrada a instrução processual, fl. 744.



Impugnação à contestação às fls. 762/771, pela requerente, e às fls. 772/783, pela assistente.



Manifestação do Ministério Público do Trabalho às fls. 787/808.



Inconciliados.



É o relatório.



D E C I D O:



PRELIMINARMENTE:



DA COMPETÊNCIA MATERIAL:

O requerido pugna pelo reconhecimento da incompetência absoluta do Juízo, uma vez que a ação visa a anular auto de infração lavrado pela vigilância sanitária do Município de Leme, no exercício de suas atribuições de proteção à saúde. Dessa feita, entende que o órgão competente para apreciar a ação anulatória seria o Juízo Cível.



Razão não lhe assiste. A EC 45/2004 acresceu ao art. 114 da Constituição Federal o inciso VII, conferindo a esta Especializada a competência para julgar ações relativas às penalidades administrativas impostas aos empregadores pelos órgãos de fiscalização do trabalho.



Na hipótese, a penalidade de interdição foi aplicada pela vigilância sanitária com o escopo de proteger a saúde de todos os munícipes, mas especialmente os trabalhadores da autora, tendo havido, inclusive, participação do Ministério do Trabalho e do Ministério Público do Trabalho na liberação parcial e temporária das atividades, conforme documento de fl. 26. Ademais, a requerente questiona a legitimidade do órgão

municipal para a fiscalização do ambiente de trabalho, em face do art. 21, XXIV da CF e da atribuição conferida pelo art. 161 da CLT ao superintendente regional do trabalho, restando evidente a competência deste juízo para dirimir a controvérsia.



DO MÉRITO:

A vigilância sanitária do Município de Leme, através do auto de imposição de penalidade nº 267, série AD (fl. 25), interditou parcialmente o estabelecimento da requerente, a fim de suspender o processo de fabricação de produtos que contenham amianto, com fulcro na Lei Estadual 12.864/2007. A autora alega a nulidade da penalidade administrativa imposta, tendo em vista que órgão municipal teria invadido competência do Ministério do Trabalho e Emprego.

O requerido impugna tal assertiva, sob a alegação de que a vigilância sanitária se inclui no campo de atuação do Sistema Único de Saúde, que detém poder de polícia sobre a fabricação de produtos nocivos à saúde.



Pois bem. A Constituição Federal de 1988 arrolou como direito dos trabalhadores a "redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança" (art. 7º, XXII), enfatizando, em outros dispositivos que se harmonizam organicamente, a seguridade social como um "conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde..." (art. 194, caput), estabelecendo a saúde como "direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos..." (art. 196) e qualificando como de "relevância pública as ações e serviços de saúde..." (art. 197).



Nesse sentido, a Carta Magna atribuiu ao Sistema Único de Saúde a competência para "

executar as ações de vigilância sanitária e epidemiológica , bem como as de saúde do trabalhador" (art. 200, II) e “colaborar na proteção do meio ambiente, nele compreendido o do trabalho” (art. 200, VIII).



Data maxima venia ao juiz prolator da decisão em sede de liminar, entendo que a vigilância sanitária municipal tem, sim, competência para fiscalizar o ambiente de trabalho e as atividades que impliquem danos à saúde do trabalhador, porque sua atuação é respaldada, como visto, em nível constitucional (art. 200). Ao estabelecer a competência exclusiva da União para organizar, manter e executar a inspeção do trabalho, o art. 21, XXIV da CF não excluiu a competência comum de Estados e Municípios no cuidado à saúde (art. 23, II) e na proteção ao meio ambiente (art. 23, VI).



Com efeito, a competência exclusiva quanto à inspeção do trabalho é materializada na atuação do Ministério do Trabalho e Emprego e de seus órgãos regionais, aos quais incumbem as ações administrativas para assegurar a observância das leis trabalhistas. Nesse sentido, o Município jamais poderia, p. ex., fiscalizar a regularidade de terceirização de mão de obra ou aplicar penalidade administrativa pela não anotação de CTPS.



Por outro lado, sendo a saúde dever do Estado, a ser zelado por todos os entes federativos, não pode prevalecer interpretação que restrinja a atuação do Município, na defesa desses interesses, a determinado setor da sociedade. Seria flagrantemente inconstitucional asseverar que o Município deve zelar pela qualidade de todo o meio ambiente, exceto o do trabalho, ou proteger a saúde de todos os cidadãos, exceto os trabalhadores. Em verdade, a fiscalização das condições sanitárias do ambiente de trabalho, expressamente prevista no art. 200 da CF como atribuição do Sistema Único de Saúde, reforça a atuação do Ministério do Trabalho e Emprego, de modo a formar um sistema de ampla proteção à saúde do trabalhador.



Na linha traçada pelo constituinte, a Lei Federal nº 8.080/1990, regulamentando a atuação do Sistema Único de Saúde, assim dispõe:



“Art. 6º Estão incluídas ainda no campo de atuação do Sistema Único de Saúde (SUS):



I - a execução de ações:



a) de vigilância sanitária;



(…)



c) de saúde do trabalhador ;



(…)



§ 1º Entende-se por vigilância sanitária um conjunto de ações capaz de eliminar, diminuir ou prevenir riscos à saúde e de intervir nos problemas sanitários decorrentes do meio ambiente, da produção e circulação de bens e da prestação de serviços de interesse da saúde (…).



(...)



§ 3º Entende-se por saúde do trabalhador, para fins desta lei, um conjunto de atividades que se destina, através das ações de vigilância epidemiológica e vigilância sanitária, à promoção e proteção da saúde dos trabalhadores, assim como visa à recuperação e reabilitação da saúde dos trabalhadores submetidos aos riscos e agravos advindos das condições de trabalho”.



A vigilância sanitária, portanto, comporta ações para eliminar os riscos à saúde decorrentes da produção e circulação de bens, exatamente a hipótese sob exame.



Especificamente no que tange à competência da vigilância sanitária municipal, dispõe o Código Sanitário do Estado de São Paulo (Lei Estadual 10.083/1998), no exercício da competência concorrente para legislar sobre defesa da saúde (art. 24, XII, CF):



“Artigo 92 - Os profissionais das equipes de Vigilância Sanitária e Epidemiológica, investidos das suas funções fiscalizadoras, serão competentes para fazer cumprir as leis e regulamentos sanitários, expedindo termos, autos de infração e de imposição de penalidades, referentes à prevenção e controle de tudo quanto possa comprometer a saúde.



(…)



Artigo 112º - As infrações sanitárias, sem prejuízo das sanções de natureza civil ou penal cabíveis, serão punidas, alternativa ou cumulativamente, com penalidades de:



(…)



VIII - suspensão de fabricação de produto;



IX - interdição parcial ou total do estabelecimento, seções, dependências e veículos;”



Dessa feita, conclui-se que a vigilância sanitária do Município de Leme agiu com amparo na lei, sendo-lhe permitida a interdição do estabelecimento, não prosperando a alegação da autora no sentido de que tal penalidade somente poderia ser aplicada pelo Ministério do Trabalho.



Remanesce a questão, todavia, quanto ao fundamento utilizado para a autuação. Conforme se observa do auto de fl. 25, o órgão municipal interditou o estabelecimento da autora por descumprimento da Lei Estadual nº 12.684/2007, que proibiu o uso de quaisquer tipos de amianto no Estado de São Paulo, inclusive o asbesto branco (crisotila), utilizado pela requerente na fabricação de fibrocimento.



Ocorre que a Lei Federal nº 9.055/1995 vedou, em todo o território nacional, a extração, produção, industrialização, utilização e comercialização de vários tipos de amianto,

exceto o crisotila, como expressamente consignado em seu art. 2º. Daí porque a autora afirma a inconstitucionalidade da lei estadual que fundamentou a autuação, por invadir a competência legislativa da União para editar normas gerais na matéria.



Tal controvérsia é atualmente objeto de uma ação direta de inconstitucionalidade (nº 3937), ainda não julgada em caráter definitivo. O Supremo Tribunal Federal, todavia, apreciou medida cautelar que visava à suspensão dos efeitos da lei estadual, e, por maioria, negou referendo à liminar concedida pelo relator, de modo a preservar a eficácia da lei regional. Viável, portanto, o controle difuso de constitucionalidade.



Pois bem. A proibição do uso de amianto na fabricação de produtos, embora motivada por razões sanitárias, implica restrições à atividade comercial, o que é competência privativa da União, nos termos do art. 22, VIII da CF.



Nesse sentido, o Estado detém competência supletiva, exercitável somente quando inexistir lei federal regulando a matéria.



De início, portanto, poder-se-ia concluir pela inconstitucionalidade da Lei nº 12.684/2007. Contudo, uma análise sistemática do ordenamento revela, em verdade, que é a Lei Federal nº 9.055/1995 que padece de inconstitucionalidade, e, por consequência, sua inaplicabilidade torna legítimo o exercício da competência supletiva pelo legislador estadual.



Vejamos. O art. 196 da Constituição Federal, ao mesmo tempo em que erige a saúde como um direito de todos, a impõe como dever do Estado, de forma que o legislador deve pautar sua atuação pela proteção a este direito.



No caso específico do amianto, os estudos médicos sugerem que não há níveis seguros para sua utilização, não obstante o parâmetro colocado no Anexo 12 da NR-15 do Ministério do Trabalho. Peço vênia para transcrever o voto do eminente Ministro Joaquim Barbosa, proferido no julgamento da medida cautelar na ADI nº 3937/SP, e apoiado na tese de René Mendes, da Universidade Federal de Minas Gerais:


“Há três doenças relacionadas ao uso do amianto: asbestose (causada pela reação do tecido à deposição de poeira no interior do pulmão), câncer de pulmão, e mesotelioma (tumores formados do tecido serodo que reveste órgãos como pulmão, coração e abdômen). Outras também têm sido associadas à exposição ao amianto (câncer de laringe, câncer de orofaringe, câncer de estômago, câncer de colo-retal e câncer de rim) (Mendes, p. 9-10).

A relação entre essas doenças e o amianto já foi detectada pela literatura médica brasileira. No caso da asbestose, esses efeitos teriam sido registrados há pelo menos 50 anos. No caso do mesotelioma, é possível notar um crescimento dos casos. Sobre câncer do pulmão, há evidência de que o risco de desenvolvimento do câncer seria baixo nos primeiros 10 anos a partir da exposição ao amianto e alcançaria o seu nível máximo a partir de 30 anos após o contato com omaterial (Mendes, p. 10-13).



De fato, não parecem existir níveis seguros para a utilização do amianto, inclusive o crisotila. Mendes considera superada, portanto, a chamada “hipótese do anfibólio”, ou seja, a conclusão de que apenas o amianto do tipo anfibólio (azul, marrom e outros), espécie do mineral que já está proibida no Brasil, teria consequências danosas à saúde humana. As fibras do crisotila tem potencial para produzir mesotelioma (Mendes, p. 13-16).



(…)



Em 2004, o Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama),reconheceu que, de acordo com os critérios adotados pela Organização Mundial da Saúde, não há limites seguros para a exposição humana. Naquele ato, também reconheceu que telhas e caixas d'água feitos de crisotila são resíduos perigosos.”



Não prospera, portanto, a alegação de que o asbesto branco ou crisotila seria uma variedade segura de amianto. Tanto é verdade que muitos países, em destaque os pertencentes à União Europeia, baniram a utilização de qualquer tipo de amianto, devido aos perigos manifestos à saúde da população e, especialmente, dos envolvidos nos setores produtivos.

Nesse contexto, a Convenção nº 162 da Organização Internacional do Trabalho, ratificada pelo Brasil e internalizada através do Decreto nº 126/1991, previu a substituição gradativa do amianto por substâncias menos nocivas à saúde.



Vale dizer, o Brasil se comprometeu a adequar sua legislação para, sempre que  possível, substituir o uso do amianto pelo emprego de tecnologias alternativas. E, de

acordo com estudo de Cláudio Viveiros de Carvalho, consultor legislativo da Câmara dos Deputados, existem materiais substitutivos ao amianto no mercado brasileiro que atendem tanto às especificações tecnológicas quanto às de proteção da saúde humana, tais como aramidas, PVA e fibra de celulose (http://bd.camara.gov.br/bd/bitstream/handle/bdcamara/1245/amianto_viveiros.pdf).



Frise-se que a convenção ratificada pelo Brasil tem status infraconstitucional, porém supralegal, de modo que a lei federal deveria ter sido editada em consonância com o compromisso assumido de eliminar gradativamente a utilização do amianto, já que existentes tecnologias alternativas. Nesse sentido, não vislumbro a alegada inconstitucionalidade da Lei Estadual nº 12.684/2007; pelo contrário, a lei local atende melhor ao preceito constitucional de proteção à saúde, de modo que acompanho o entendimento preliminar manifestado pelo STF na matéria.



Ante o exposto, julgo improcedente o pedido de anulação do auto de imposição de penalidade, bem como revogo a liminar concedida às fls. 479/480, para o  fim de restabelecer a penalidade administrativa de interdição imposta pela vigilância sanitária municipal.



PELO EXPOSTO, DECIDO rejeitar a preliminar de incompetência do Juízo e, no mérito, julgar IMPROCEDENTE a ação anulatória movida por INFIBRA S.A. e SAMA S.A. MINERAÇÕES ASSOCIADAS, esta na condição de assistente litisconsorcial, em face do MUNICÍPIO DE LEME, revogando a liminar concedida às fls. 479/480, para o fim de restabelecer a penalidade administrativa de interdição imposta pela vigilância sanitária municipal.



Custas pela requerente, calculadas sobre o valor da causa, no importe de R$200,00.



Intimem-se as partes e o Ministério Público do Trabalho.



Leme, 22 de agosto de 2011.



LUCIANA MORO LOUREIRO


Juíza Federal do Trabalho


domingo, 31 de julho de 2011

TRANSPORTADOR DE AMIANTO INSISTE MAS É MAIS UMA VEZ DERROTADO NO TRT EM TENTAR TRANSITAR PELO ESTADO DE SÃO PAULO COM A CARGA CANCERÍGENA

A Transportes São Expedito é mais uma vez derrotada em suas inúmeras tentativas de derrubar ação de interdição da SRTE/SP, que em trabalho conjunto com o MPT da 15a. Região e Polícia Rodoviária, flagrou transporte ilegal de amianto pelas rodovias do Estado de São Paulo, como mostram as imagens colhidas na diligência de março de 2009 e disponíveis em http://www.youtube.com/watch?v=wucSgpCwMMA&feature=channel

O voto contrário que rejeitou os Embargos de Declaração se encontram em http://www.trt15.jus.br/consulta/owa/documento.rtf?pAplicacao=DOCASSDIG&pid=2722971


e a Certidão de Acórdão em http://www.trt15.jus.br/consulta/owa/documento.pdf?pAplicacao=DOCASSDIG&pid=2757116

Maiores detalhes:
Processo.........: 0000636-61.2010.5.15.0134 ED (VARA DO TRABALHO DE LEME)
Litigante(s).....: Transportes São Expedito Ltda., EMBGDO. V. ACÓRDÃO Nº: 200/2011
Data.............: 29/07/2011
Andamento........: Parte(s) Intimada(s) do Acórdão/Decisão em 29/07/2011 - Aguardando Prazo. Ac órdão publicado através do EDAC nº 16/2011
Observacao.......: ANDAMENTO/OCORRENCIA - Parte(s) Intimada(s) do Acórdão/Decisão em 29/07/2011 - Aguardando Prazo. Acórdão publicado através do EDAC nº 16/2011 - EXCLUIDO(A), POR TER SIDO REGISTRADO(A) INDEVIDAMENTE.

Acórdão..........: conhecer e NÃO ACOLHER os Embargos de Declaração, observada a fundamentação.