domingo, 18 de outubro de 2020

Quem não gosta de amianto?


Valorização das ações da Eternit chama a atenção por ocorrer quando ESG ganha destaque no debate sobre investimentos

 

Tirando o arroz, o que mais você consegue dizer que dobrou de preço? O alimento essencial na mesa do brasileiro cumpriu essa façanha em 12 meses. As ações da Eternit, em 45 dias.

A empresa, que ficou conhecida pelas telhas e caixas d’água com amianto, está em recuperação judicial desde o meio do ano passado. Nos últimos dias, tem sido vista com otimismo por investidores.

Os papéis ETER3, que, no dia 1º de setembro, podiam ser compradas com uma nota de R$ 5 (e tinha troco), chegaram ser vendidas por R$ 9,03 nesta quarta-feira (14).

Com isso, o valor de mercado da Eternit foi de R$ 242 milhões para R$ 466 milhões. Em um mês e meio.
O ritmo de negociações dos papéis subiu tanto que a B3, empresa que controla a Bolsa de Valores, cobrou explicações da companhia. Duas vezes.

Já que não havia sido divulgada nenhuma informação nova ao mercado, por que um papel cuja média de negociação por dia é de 1,7 milhão, passar a ser negociado 3,6 milhões de vezes em um único pregão?
As respostas da Eternit aos dois ofícios da B3 foram quase idênticas, dizendo não saber o que pode ter acontecido.

                                                        



Telha exibe carimbo indicando que contém amianto - Marcelo Justo - 19.fev.2008/Folhapress

“A administração desconhece qualquer fato que não tenha sido divulgado ao mercado ou não seja de conhecimento público que possa ter justificado a movimentação”, dizem os documentos da empresa.

Dias depois da primeira manifestação, o presidente da Eternit, Luís Augusto Barbosa, foi à imprensa.

Em longa entrevista, falou sobre os investimentos da empresa em transformar seu negócio para produzir equipamentos de alta tecnologia, como as telhas de concreto que captam energia solar.

A tal telha fotovoltaica é destacada no último balanço divulgado pela empresa. Nos primeiros seis meses do ano, foram captados R$ 46 milhões para investimento no projeto e na “modernização do fibrocimento”, que não tem mais amianto em sua composição.

As telhas solares, no entanto, ainda não são vendidas nem geram lucro para companhia. De certa forma, parece contra o pragmatismo do nosso mercado que tamanha valorização das ações tenha se dado pelo plano de investir na área tecnológica.

Os números frios trazem pontos que parecem mais interessantes pela lógica do mercado. No segundo trimestre do ano, a receita líquida da Eternit cresceu 19% em relação ao mesmo período em 2019.

Apesar de a discussão sobre tecnologia fotovoltaica fazer parecer que a exploração do mineral é página virada na vida da Eternit, no primeiro semestre de 2020, a empresa exportou 23,7 toneladas de amianto. Um aumento de 50% em relação a 2019.

A mina explorada pela empresa, em Goiás, havia sido paralisada em fevereiro de 2019.

Dois meses depois, senadores foram ao local e clamaram pela liberação da exploração de amianto, para “geração de riqueza do país” e “garantir o emprego dos trabalhadores”.

A comissão contava com o presidente do Senado Davi Alcolumbre (DEM-AP) e com o então vice-líder do governo Bolsonaro no senado Chico Rodrigues (DEM-RR) —que ficou famoso nesta semana por fazer poupança de forma inusitada durante uma operação policial.

Menos de um ano depois da visita ilustre, com base em uma nova lei goiana, a extração e o beneficiamento de amianto foram autorizados, para fins exclusivos de exportação. E a Eternit voltou a vender suas toneladas amianto.

O beneficiamento do mineral é feito, hoje em dia, seguindo diversas normas de segurança. Ainda assim, a valorização extraordinária das ações da empresa chama a atenção justamente por ocorrer no momento em boas práticas ambientais, sociais e de governança (ESG, na sigla em inglês) ganham cada vez mais destaque nas discussões sobre investimentos.

Marcos de Vasconcellos

Jornalista, empreendedor e fundador do site Monitor do Mercado.

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