Valorização das ações da Eternit
chama a atenção por ocorrer quando ESG ganha destaque no debate sobre
investimentos
A empresa, que ficou conhecida pelas telhas e
caixas d’água com amianto, está em recuperação judicial desde
o meio do ano passado. Nos últimos dias, tem sido vista com otimismo por
investidores.
Os papéis ETER3, que, no dia 1º de setembro, podiam
ser compradas com uma nota de R$ 5 (e tinha
troco), chegaram ser vendidas por R$ 9,03 nesta quarta-feira (14).
Telha
exibe carimbo indicando que contém amianto - Marcelo Justo - 19.fev.2008/Folhapress
“A administração desconhece qualquer fato que não
tenha sido divulgado ao mercado ou não seja de conhecimento público que possa
ter justificado a movimentação”, dizem os documentos da empresa.
Dias depois da primeira manifestação, o presidente
da Eternit, Luís Augusto Barbosa, foi à imprensa.
Em longa entrevista, falou sobre os investimentos
da empresa em transformar seu negócio para produzir equipamentos de alta
tecnologia, como as telhas de concreto que captam energia solar.
A tal telha fotovoltaica é destacada no último
balanço divulgado pela empresa. Nos primeiros seis meses do ano, foram captados
R$ 46 milhões para investimento no projeto e na “modernização do fibrocimento”,
que não tem mais amianto em sua composição.
As telhas solares, no entanto, ainda não são
vendidas nem geram lucro para companhia. De certa forma, parece contra o
pragmatismo do nosso mercado que tamanha valorização das ações tenha se dado
pelo plano de investir na área tecnológica.
Os números frios trazem pontos que parecem mais
interessantes pela lógica do mercado. No segundo trimestre do ano, a receita
líquida da Eternit cresceu 19% em relação ao mesmo período em 2019.
Apesar de a discussão sobre tecnologia fotovoltaica
fazer parecer que a exploração do mineral é página virada na vida da Eternit,
no primeiro semestre de 2020, a empresa exportou 23,7 toneladas de amianto. Um
aumento de 50% em relação a 2019.
A mina explorada pela empresa, em Goiás, havia sido
paralisada em fevereiro de 2019.
Dois meses depois, senadores foram ao local e
clamaram pela liberação da exploração de amianto, para “geração de riqueza do
país” e “garantir o emprego dos trabalhadores”.
A comissão contava com o presidente do Senado Davi
Alcolumbre (DEM-AP) e com o então vice-líder do governo Bolsonaro no senado
Chico Rodrigues (DEM-RR) —que ficou famoso nesta semana por fazer poupança de forma
inusitada durante uma operação policial.
Menos de um ano depois da visita ilustre, com base
em uma nova lei goiana, a extração e o beneficiamento de amianto foram
autorizados, para fins exclusivos de exportação. E a Eternit voltou a vender
suas toneladas amianto.
O beneficiamento do mineral é feito, hoje em dia,
seguindo diversas normas de segurança. Ainda assim, a valorização
extraordinária das ações da empresa chama a atenção justamente por ocorrer no
momento em boas práticas ambientais, sociais e de governança (ESG, na sigla em
inglês) ganham cada vez mais destaque nas discussões sobre investimentos.
Marcos de Vasconcellos
Jornalista, empreendedor e fundador do site Monitor
do Mercado.