Rio de Janeiro, 25 de março de 2011.
À Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República (SDH/PR) A/C Exma. Srª. Ministra-chefe Maria do Rosário Nunes
A/C Programa Nacional de Proteção aos Defensores dos Direitos Humanos (PPDDH)
A/C Ouvidoria-Geral da Cidadania
Ao Ministério do Trabalho e Emprego A/C Exmo. Sr. Ministro de Estado Carlos Lupi
Ao Ministério de Justiça
A/C Exmo. Sr. Ministro José Eduardo Cardozo
A/C Departamento de Polícia Federal
Ao Ministério Público Federal
A/C Exmo. Sr. Procurador-Geral da República Roberto Monteiro Gurgel Santos
À Secretaria de Políticas para as Mulheres
A/C Exma. Srª. Ministra Iriny Lopes
Exmos.
O amianto, comprovadamente cancerígeno e responsável direto pela morte de muitos trabalhadores envolvidos em seu processamento, foi banido em 66 países e em quatro estados, vários municípios e capitais brasileiros. Apesar disso, o Poder Executivo federal não tomou ainda posição definitiva contra o uso e o comércio da fibra nacionalmente, mesmo após a decisão histórica do Supremo Tribunal Federal (STF), que, em 04/06/2008, confirmou a lei de banimento em São Paulo, modificando jurisprudências anteriores, que impediam que Estados legislassem de maneira mais restritiva do que a União.
O país é um dos maiores produtores, consumidores e exportadores de amianto do mundo, que é utilizado em quase três mil produtos industriais, dentre os quais telhas e caixas d'água que são destinados, sobretudo, às populações mais carentes e, portanto, mais expostas e vulneráveis aos riscos de contaminação.
Frente a essa perversa situação, a Associação Brasileira dos Expostos ao Amianto (ABREA) e poucas pessoas altamente comprometidas e qualificadas lutam para denunciar essa agressão à saúde e à vida – especialmente a dos mais pobres –, mas sofrem, por isso, constante isolamento, amordaçamento, ameaças, intimidações, perseguição e tentativas de criminalização, como já foi demonstrado no relatório “Na Linha de Frente: Defensores dos Direitos Humanos no Brasil de 2002-2005”, elaborado pelas organizações Justiça Global e Terra de Direitos (http://fdcl-berlin.de/fileadmin/fdcl/Publikationen/relatoriodefensores2005.pdf), também em anexo.
A esses últimos fatos, soma-se uma longa história de ameaças e agressões sofridas por Fernanda Giannasi em função de seu engajamento profissional e social ao lado das vítimas do amianto. Foram vários processos criminais, civis e administrativos impetrados por empresas que vêm explorando e manufaturando produtos de amianto, ao longo das últimas três décadas, e que constituíram poderoso lobby, somente comparado ao do tabaco, em tamanho e poderio econômico, e que se apresentam como Instituto Brasileiro do Crisotila (IBC). Consideramos que o fato do IBC deter o estatuto de OSCIP – Organização Social de Interesse Público - afronta o marco regulador que criou a figura de OSCIP. Perguntamo-nos em nome de que interesse público o IBC denunciou a Auditora à Comissão de Ética do Ministério do Trabalho e Emprego?
Nas mais recentes ações em busca da criminalização de seu trabalho, encontram-se as reiteradas tentativas de removê-la de sua função na auditoria-fiscal na Superintendência Regional do Trabalho em São Paulo, como o processo ajuizado pela SAMA, do grupo empresarial ETERNIT, na 14ª. Vara Federal de Brasília (Processo 53186-06.2010.4.01.3400), em anexo, que busca “AFASTAR A AUDITORA FISCAL DO TRABALHO ‘FERNANDA GIANNASI’ DA FISCALIZAÇÃO DA AUTORA NO TOCANTE ÀS OPERAÇÕES CONCERNENTES AO AMIANTO” e que, felizmente, teve no dia 18/03/2011 a tutela antecipada indeferida.
Responsáveis por 65% da exportação de amianto “in natura” para a Ásia, as empresas Transportadora Cortes Ltda. e Cortes Armazéns do Guarujá buscaram também afastar Auditora-Fiscal de sua função, para que pudessem livremente agir ao arrepio da lei paulista que proíbe o amianto.
Em primeiro momento, obtiveram êxito junto à Justiça Federal de Santos, que determinou que a engenheira se abstivesse de inspecionar as dependências da empresa, por seu envolvimento social na luta pela erradicação da fibra cancerígena, e alegando “a falta de parcialidade em suas ações”. Contudo, tal decisão foi reformada no Tribunal Regional Federal da 3ª. Região de São Paulo (Decisão 7642/2010 em AGRAVO DE INSTRUMENTO nº 0000023-72.2010.4.03.0000/SP impetrado pela União), em anexo.
Não satisfeitas com as derrotas obtidas nas instâncias superiores do Judiciário, as empresas dedicadas à exportação do amianto buscaram novamente amparo na primeira instância da Justiça Federal de Santos, que solicitou à Polícia Federal que instaurasse inquérito (IPL nº. 5-1217/09-DPF/STS/SP) para apurar possível desvio de conduta da servidora pública por “abuso de poder”. Infelizmente, a autoridade policial local, Dr. Cassio Luis Guimarães Nogueira, foi levado a erro pelas empresas impetrantes e indiciou a servidora, mesmo informado sobre a decisão do Tribunal Regional Federal. Restou patente que mesmo não obtendo total êxito, as empresas teriam o indiciamento como trunfo contra a conduta ilibada da servidora, que tem constantemente comprovado os atos ilícitos cometidos por estas empresas.
Resta agora ao Ministério Público Federal de Santos analisar a conclusão do inquérito policial e decidir se denuncia ou não a servidora. Se isto ocorrer, Fernanda Giannasi terá mais uma vez de ir ao Juízo para se defender das injustas e levianas acusações do lobby do amianto, ávido por manter a servidora e fiscal longe de suas atividades.
Tempo, energia e recursos são consumidos, desviando Fernanda Giannasi de seu trabalho irrepreensível na auditoria-fiscal e na gerência do projeto de erradicação do amianto no Estado de São Paulo.
Diante dessas ameaças, nós, entidades e pessoas reunidas na Rede Brasileira de Justiça Ambiental:
Esperamos que o Ministério do Trabalho respalde a servidora Fernanda Giannasi, no sentido de garantir a continuidade de seu trabalho, que dignifica a sua profissão e dá pleno sentido à fiscalização pública quando denuncia o amianto e as empresas que destroem a saúde dos trabalhadores e das suas famílias.
Solicitamos à Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República (SDH/PR) que acompanhe com atenção o caso, disponibilizando todos os meios e mecanismos necessários à proteção de Fernanda Giannasi, bem como se faça mais presente em questões ligadas ao impacto de amianto, urânio, mercúrio, agrotóxicos e outros agentes e atividades que afetam profundamente pessoas e comunidades do entorno dos empreendimentos que os utilizam ou exploram, em seu direito elementar ao meio ambiente saudável e equilibrado.
Pedimos à Polícia Federal que, fiel à sua missão constitucional, instaure os procedimentos necessários para que seja feita uma investigação sobre as ameaças denunciadas aqui, no sentido de identificar seu(s) autor(es) e assegurar a devida proteção à cidadã Fernanda Giannasi, recorrendo, se necessário à Interpol, que já foi avisada da existência destas cartas anônimas, que ferem a dignidade da pessoa humana.
Solicitamos ao Ministério Público Federal, em sua condição de guardião da democracia, a apuração dos fatos relatados e as devidas providências no encaminhamento, acompanhamento e solução do caso.
Frente a certas empresas e certos setores sociais tão interessados na perpetuação do uso do amianto, que não hesitam em recorrer à manipulação de pesquisas, à chantagem do emprego e da eliminação de postos de trabalho, à criminalização dos que questionam o amianto e à violência, reafirmamos aqui nosso compromisso pelo total banimento do amianto e a nossa total solidariedade para com Fernanda Giannasi e as vítimas deste mortífero produto.
Rede Brasileira de Justiça Ambiental (RBJA)
Nenhum comentário:
Postar um comentário