sexta-feira, 22 de outubro de 2010

Liminar impede transporte de amianto no estado de São Paulo pela empresa Rápido 900

Poder Judiciário - Justiça do Trabalho -TRT 2ª Região
21ª Vara do Trabalho de São Paulo - Capital
Autos nº 02049-2010-021-02-00-7

Autor: Ministério Público do Trabalho
Réu: Rápido 900 de Transportes Rodoviários LTDA

Vistos.

Trata-se de pedido de antecipação dos efeitos da tutela, em que pretende o Autor a determinação para que o Réu se abstenha (obrigação de não fazer) de “proceder quaisquer movimentações e transporte de carga contendo amianto in natura ou produtos que o contenham no Estado de São Paulo”, sob pena de multa diária para cada caso de descumprimento (art. 11 da Lei 7.347/85).
As considerações seguintes são feitas em sede de cognição sumária, na análise da medida liminar, e não prejudicarão o futuro julgamento final de questões preliminares e meritórias.
A pretensão visa à proteção de direitos indisponíveis fundamentais (saúde e ambiente ecologicamente equilibrado), de uma coletividade de trabalhadores, empregados do Réu, e, em última análise, da presente e da futura geração que habita ou habitará o estado de São Paulo (ou até mesmo extrapolando os limites territoriais do estado).
Trata-se, assim, de direitos coletivos (caracterizados pela indivisibilidade do objeto e pela existência de relação jurídica prévia, que torna possível a identificação dos respectivos titulares) e de direitos difusos (caracterizados pela indivisibilidade do objeto e pela ausência de relação jurídica identificadora dos respectivos titulares, indetermináveis, pois).
Portanto, ainda em sede de cognição sumária, afigura-se clara a competência desta Justiça Especializada (Súmula 736 do Excelso STF) e a legitimidade ativa ad causam do eminente órgão do Ministério Público do Trabalho.
O interesse processual também está presente, pois está demonstrado pela documentação acostada, que goza de fé pública, que o Réu vem descumprindo a legislação
vigente, bem como interdição de movimentação de cargas realizada pelo Ministério do Trabalho e Emprego, no legítimo exercício do poder de polícia.
A questão envolve o debate acerca da Lei estadual 12.684/2007, proibitiva do uso do amianto branco (crisotila) no estado de São Paulo.
A constitucionalidade da referida lei está sendo questionada no Supremo Tribunal Federal, por meio da ADI 3.937.
No julgamento do referendo das respectivas medidas cautelares suspensivas da eficácia da lei paulista, concedidas pelo eminente Relator Ministro Marco Aurélio, o Plenário do Excelso STF não as referendou, por maioria, rejeitando a concessão da liminar suspensiva da lei. Desse modo, até o momento, há presunção de sua constitucionalidade.
Compartilho do entendimento esposado pelo Ministro Eros Grau no aludido julgamento, no sentido de que a Lei federal 9.055/95, que seria a norma geral a respeito do assunto, ao autorizar a livre comercialização da crisotila no território nacional, é inconstitucional por contrariedade aos arts. 6º e 196 da Constituição da República.
É cientificamente comprovada a nocividade ambiental e à saúde dessa variedade de amianto, tanto que reconhecida em norma de Direito Internacional do
Trabalho, qual seja, a Convenção nº 162 da OIT (art. 2º, “a”), aprovada pelo Decreto Legislativo nº 51 de 25/08/1989, ratificada pelo Brasil em 18 de maio de 1990, promulgada pelo Decreto 126 de 22/05/1991.
Tal norma internacional prevê a revisão periódica da legislação nacional referente ao amianto, à luz do desenvolvimento técnico e científico (art. 3º, 2), e uma interpretação sistemática da convenção leva à conclusão de que a sua finalidade é alcançar progressivamente a substituição do amianto por outros materiais, produtos ou tecnologias alternativas e a proibição total do uso da matéria prima (art. 10).
A Convenção 162 da OIT, por tratar da proteção à saúde e ao meio ambiente, é tratado internacional que versa sobre direitos humanos, por conseguinte, tem, no mínimo, a hierarquia supralegal, razão pela qual não pode a Lei 9.055/95 a ela se sobrepor.
Atualmente, é técnica e cientificamente possível a substituição da utilização de crisotila por materiais sem nocividade à saúde ou menos nocivos à saúde e ao meio
ambiente. Embora isso represente um impacto econômico pela transformação da cadeia produtiva, na ponderação de direitos fundamentais, observados os parâmetros da proporcionalidade, deve prevalecer a proteção à saúde e ao ambiente, sem que se fulmine o direito à livre iniciativa, justamente pela possibilidade de substituição dos materiais.
É possível constitucionalmente, pois, a proibição do uso, da comercialização e do transporte do amianto, em qualquer de suas variedades, para a proteção à saúde e ao meio ambiente, sem que se atinja o núcleo essencial do princípio constitucional em colisão, que é o da livre iniciativa.
Em suma, a Lei 9.095/95, ao permitir a livre comercialização de crisotila, conflita com a Constituição (arts. 6º e 196 e art. 225 c.c. art. 200, inciso VIII) e não mais é
consentânea com a Convenção 162 da OIT, assumindo o estado-membro da federação competência legislativa plena acerca da matéria (art. 24, §3º, da CR), de modo que a Lei
paulista 12.684/2007 é compatível com os desígnios constitucionais.
No que tange ao alcance da lei estadual proibitiva, adoto o entendimento esposado no acórdão da 9ª Turma do E. TRT da 2ª Região, proferido no MS 01417200908702008, que justamente versava sobre medidas administrativas adotadas em face do Réu:
“[...]
Relativamente ao alcance dado à Lei Estadual 12684/07, não merece acolhida a tese recursal de que o comando inserido artigo 1º, da legislação em voga, limita-se à proibição do uso do amianto, não vedando expressamente seu transporte, sobretudo em se tratando de locomoção de produto originário de outro Estado. É que, nos moldes bem enfatizados pela Instância Originária, não se concebe a interpretação isolada das disposições contidas na referida Lei, mas sim deve ser considerado o ordenamento jurídico como um todo, impondo-se a interpretação sistemática da legislação estadual acima enfocada com a disciplina extraída dos artigos 1º, incisos III e IV, 194 e 196, da Carta Magna, e 157, da CLT, deduzindo-se da atenta leitura da Lei 12684/07 que o intuito do legislador foi abolir definitivamente a presença do amianto no âmbito do Estado de São Paulo, seja pelo uso ou por qualquer outro tipo de manuseio, vedando a comercialização, a produção, e o transporte de todo e qualquer produto, material ou artefato que contenha quaisquer tipos de amianto ou asbesto no território Bandeirante, independentemente da origem ou destinação. De ser lembrado que, a exposição ao amianto ou asbesto – produto altamente tóxico e cancerígeno - relaciona-se ao aumento dos riscos de aquisição de graves moléstias – asbestose, câncer de pulmão e mesotelioma -, revelando-se elevado o índice de contaminação e o prejuízo à saúde do ser humano, de modo que a própria Lei Estadual 12684/07 estabeleceu a obrigatória notificação do SUS, pela rede pública e privada de assistência de saúde, relativamente a todos os casos de doenças e óbitos resultantes da exposição ao amianto (artigo 6º, parágrafo 1º), o que também é ponto a ser observado.
Nesse contexto, dúvidas não restam de que o simples transporte do material em epígrafe reflete grave e iminente risco não apenas aos trabalhadores envolvidos, mas à população em geral, sendo certo que, na hipótese vertente, os documentos acostados às fls. 157/159 induzem à conclusão de que a impetrante-recorrente sequer procedia ao correto acondicionamento do amianto, promovia a condução do aludido material no mesmo veículo em que transportados alimentos da rede Bauducco, não ofertou dados indicativos da limpeza e da higienização necessária para o acondicionamento dos alimentos, remanescendo indiscutível a possibilidade de contaminação, o que faz cair por terra as tratativas recursais de que o transporte concretizado pela ora impetrante é comprovadamente seguro.
Oportuno destacar, ainda, a irrelevância das datas apostas no relatório fotográfico, bem assim na nota fiscal de fl. 158, ou ainda se a notificação de fls. 160/162, foi lavrada em 09/12/2003, na medida em que o acervo dos autos não conduz à integral observância pela impetrante das medidas destinadas à preservação da segurança e saúde do trabalhador ao tempo da interdição (18/06/2009). Ao reverso, a recorrente sequer demonstrou que possui cadastro e licença especial expedida pelo DSV para o transporte de produto perigoso no Estado de São Paulo (fls. 135/137), além do que, os documentos de fls. 119/121 apontam a omissão no que concerne ao fornecimento de proteção adequada aos trabalhadores envolvidos no transporte de carga embalada em pacotes de fácil destruição, facilitando o vazamento do produto. E outra, ainda como bem observou o Juízo de Origem, os documentos de fls. 151/152 e 184/188 apontam que a impetrante é reincidente na prática de transporte inadequado do produto em questão, tanto que em 18/09/2009 foi novamente flagrada e autuada transportando 26 (vinte e seis) toneladas de amianto in natura, mais uma vez comprometendo não apenas a saúde dos trabalhadores envolvidos no manuseio, no processo de carga, descarga e transporte, como também de toda a população do Estado de São Paulo, o que vai em total desencontro ao objetivo do legislador ao editar a já exaustivamente mencionada Lei Estadual 12684/07.
[...]
Isto posto, ACORDAM os Magistrados da 9ª Turma do Egrégio Tribunal Regional do Trabalho da Segunda Região em: conhecer do recurso ordinário interposto e, no mérito, NEGAR PROVIMENTO ao apelo, mantendo a r. decisão de primeiro grau em todos os seus termos.”
Destarte, a proibição da lei estadual se estende também ao transporte do amianto, que é considerado de alto risco, pela própria Lei 9.055/95: “Art. 10. O transporte do asbesto/amianto e das fibras naturais e artificiais referidas no art. 2º desta Lei é considerado de alto risco e, no caso de acidente, a área deverá ser isolada, com todo o material sendo
reembalado dentro de normas de segurança, sob a responsabilidade da empresa transportadora.”
O Réu não vem cumprindo a legislação estadual restritiva do uso de crisotila, nem normas ambientais trabalhistas e de segurança no transporte de cargas, além de ter descumprido a interdição de movimentação de cargas promovida pelo Ministério do Trabalho e Emprego, inclusive tendo ocorrido posteriormente o acidente noticiado na Rodovia Anhanguera.
Estão presentes, pois, os requisitos para concessão da liminar requerida: há farta prova inequívoca da verossimilhança das alegações e a conduta do Réu está provocando graves riscos ao meio ambiente, à saúde dos trabalhadores e da população
paulista em geral.
O valor das astreintes sugerido pelo Ministério Público é compatível com a necessidade de respeito à legislação, ao exercício do poder de polícia pelo Executivo e à efetividade das decisões judiciais, tendo em vista ainda que as medidas adotadas até o momento não foram suficientes a inibir a conduta ilícita.
Em conclusão, defiro a antecipação dos efeitos da tutela de mérito requerida, para determinar que o Réu se abstenha de proceder a quaisquer movimentações e transporte de carga contendo amianto in natura ou produtos que o contenham no estado de São Paulo, sob pena de multa de R$ 100.000,00 (cem mil reais), atualizável monetariamente e reversível ao FAT (Fundo de Amparo ao Trabalhador), para cada caso em que se comprove o descumprimento da ordem judicial, a partir da ciência desta decisão.

Designe-se audiência una.
Cite-se e intime-se o Réu.
Intime-se pessoalmente o Autor.
São Paulo, 18 de outubro de 2010.

MURILLO CÉSAR BUCK MUNIZ
Juiz do Trabalho Substituto

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